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    Crítica

    Prosa de Philip Roth se dilui nas cenas de 'Indignação'

    RICARDO CALIL
    CRÍTICO DA FOLHA

    05/11/2016 02h10

    O problema de Philip Roth não é o Nobel, que o esnoba. O problema de Philip Roth é o cinema, que o embaraça.

    As pessoas reclamam que a Academia Sueca despreza o grande autor americano de forma sistemática e, talvez, anedótica –preterindo-o por ilustres desconhecidos ou cantores fanhosos.

    Mas, se vissem o que o cinema tem feito nas adaptações de seus livros, elas provavelmente torceriam para que Hollywood também o ignorasse (o escritor, por sua vez, pode ao menos ficar feliz com os cheques que recebe pelos direitos autorais).

    Roth é a prova ao reverso da máxima hitchcockiana de que só os maus livros dão bons filmes. De "Paixão de Primavera" (1969, adaptado de "Adeus, Columbus") ao inédito "Pastoral Americana" (2016), seus excelentes livros têm sido transformadas em filmes que vão do razoável ao risível.

    (Neste último caso, encontra-se "Revelação", que, ao transpor "A Marca Humana" ao cinema, cometeu dois erros de casting históricos, escalando Anthony Hopkins como um negro que se passa por judeu e Nicole Kidman como uma faxineira.)

    "Indignação", com coprodução da brasileira RT Features, está longe de tamanha vergonha. Na verdade, não há nada de errado com a adaptação, mas também não há nada de muito certo.

    Seu diretor, James Schamus, pode ser de primeira viagem. Mas é um produtor e roteirista tarimbado.

    A experiência com Ang Lee, Todd Haynes e Todd Solondz –que, cada qual a seu modo, se esforçam para fugir do lugar comum– permitiria antever um filme com alguma dose de risco. Mas "Indignação" contenta-se em ser uma adaptação correta, reverente e insossa do original.

    Nesse romance de formação ambientado em 1951, o jovem judeu Marcus Messner (Logan Lerman), filho único de um açougueiro kosher superprotetor, escapa da Guerra da Correia ao conseguir bolsa em uma pequena, cristã e conservadora faculdade.

    Ótimo estudante, mas contrário a convenções sociais, Messner arranja atritos com seus colegas e com o reitor da faculdade. Ao mesmo tempo, descobre o amor com Olivia Hutton (Sarah Gadon), garota sexualmente avançada e socialmente inadequada.

    "Indignação" fala do embate entre o inconformismo juvenil e a hipocrisia social. Fala também sobre como pequenos gestos podem definir para sempre nossos destinos.

    Na prosa de Roth, está tudo ali, de forma concisa e potente. No filme de Schamus, isso se dilui em uma narrativa convencional (que, paradoxalmente, quer se colocar contra a convenção). O diretor parece confundir delicadeza com falta de tônus dramático –eliminado todo o impacto da narrativa.

    *

    INDIGNAÇÃO
    DIREÇÃO James Schamus
    PRODUÇÃO EUA, 2016, 16 anos
    QUANDO: em cartaz

    Edição impressa

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