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    Após rejeição de editoras, Rafael Gallo leva Prêmio SP com primeiro romance

    RODOLFO VIANA
    DE SÃO PAULO

    05/11/2016 02h24

    Rafael Gallo interrompe a leitura de "Anatomia do Paraíso" quando aparece alguém para votar na 24ª seção eleitoral de Bauru, no interior paulista. Confere documentos, pede assinatura e retorna ao livro de Beatriz Bracher, até ser interrompido novamente, e de novo.

    Apesar do tédio, ele próprio se voluntariara para ser mesário nas eleições de 2016. Sabia que o domingo trabalhado lhe renderia folga do Tribunal de Justiça de São Paulo na cidade, onde é escrevente técnico judiciário.

    Isso lhe permitira viajar para eventos, algo mais comum depois de ganhar o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria estreantes até 40 anos e ser finalista do Jabuti com o romance "Rebentar".

    Na obra, Ângela é uma mulher cujo filho de cinco anos despareceu há três décadas. Depois de passar a vida em busca da criança perdida, resolve suspender a procura.

    Marcus Leoni/Folhapress
    O escritor Rafael Gallo, 35, autor de 'Rebentar
    O escritor Rafael Gallo, 35, autor de 'Rebentar'

    Gallo diz que não achou que ganharia o prêmio com o livro "sobre uma mulher que tem que simbolicamente matar o filho todos os dias". "Nunca fui o cara mais popular do colégio", afirma o escritor de 35 anos, "e não sou o queridinho da literatura".

    Ele não preparou agradecimento e, no trajeto até a cerimônia de anúncio dos vencedores, em 10 de outubro, brincava no carro com sua mulher, Lilian Michelan: "Vamos parar num boteco e comer bolovo, que a gente ganha mais".

    Seu ceticismo é cria do medo de se frustrar, sobretudo após rejeições no começo da carreira. Entre 2010 e 2011, inscreveu contos em mais de 20 concursos, "mesmo esses pequenininhos, fuleiros mesmo, praticamente rifas". Nunca ganhou nada. Também não recebia respostas das editoras às quais enviava textos.

    Naquele tempo, lembra Michelan, "ele se trancava no estúdio, saía com um conto genuinamente bom e não dava em nada". "Ele sentia que não achava seu local no mundo."

    Não se encontrar no mundo o levou às artes ainda na adolescência. O caçula do casal Marlene e Mauro Gallo, ambos quietos, não tinha espaço para conversar em casa.

    Tinha amigos, mas "ninguém com quem falar sobre questões mais profundas". Achava-se compreendido mesmo só se recorria a Drummond, Clarice, Machado.

    A música foi a primeira forma de tentar diálogo com o mundo. "Tocava guitarra na igreja presbiteriana", diz Gallo, hoje ateu. "E, à noite, tocava em bares de Bauru."

    O setlist da banda Psique tinha covers de Aerosmith, Whitesnake e outras de hard rock dos anos 1970 e 1980.

    "Ele também compunha", lembra Fernão de Melo Constanzo, amigo de Gallo desde o ensino médio e contrabaixista da banda. "Cantava em inglês, e a qualidade das letras já dava ideia do escritor que ele viria a se tornar."

    Em 2004, Gallo entrou em composição e regência da Unesp de São Paulo; os demais integrantes da Psique seguiram seus rumos, e a banda acabou no fim do ano.

    A carreira na música parecia deslanchar, mas de um jeito que não o satisfazia artisticamente: começou a fazer trilhas para comerciais.

    Reuniu aqueles textos rejeitados numa obra, que batizou de "Réveillon e Outros Dias", e inscreveu-a no Prêmio Sesc de Literatura em 2011. "Eu ia desistir depois disso", afirma. Mas venceu e, como prêmio, foi publicado pela editora Record.

    Rebentar
    Rafael Gallo
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    A publicação deixou sua vida "de cabeça para baixo", diz o escritor, que foi finalista do Jabuti em 2013. "Foi a primeira vez que me senti realizado como artista."

    Quanto à música, seu papel mudou: hoje é somente trilha para a escrita. A cantora polonesa Anna Maria Jopek, por exemplo, embalou "Rebentar", que foi contratado antes de ser avaliado.

    "Fiz uma proposta [para o romance] às cegas, com base no livro anterior, de contos", afirma Carlos Andreazza, editor de literatura brasileira da Record. "O Rafael é um autor que fará coisas muitos boas pela literatura, que será estudado pela academia."

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