Embora se dê ao luxo de algumas licenças poéticas, a autora tem noção de que não é preciso inventar nada
Senhor Vladimir Vladimirovitch Putin, por favor não tranforme a grande Mãe Rússia novamente num país de silêncio. Onde nem os gritos nem os sussurros (tão bem descritos no livro homônimo de Orlando Figes sobre a época stalinista) sejam mais escutados. Onde os cidadãos que detêm um dos grandes acervos culturais do mundo e um dos idiomas mais sonoros e precisos sejam obrigados a calar mais uma vez.
Esse parece ser o subtexto de "Palavras Quebrarão Cimento", livro em que a jornalista russo-americana Masha Guessen acompanha a trajetória da banda Pussy Riot.
ANDREY NOSKOV/AFP | ||
Nádia Tolokonnikov, líder do Pussy Riot, no clipe 'Chaika' |
Banda é forma de dizer, pois o grupo que foi se reunindo em torno de Nádia Tolokonnikov, antes de se servir do punk-rock, fazia diversas e variadas performances/manifestações em estratégicos pontos de Moscou, como o teto de um trem do metrô.
De guitarra em punho e balaclavas (máscaras parciais), ou às vezes, um travesseiro na barriga, quando os parlamentares da Duma começaram a falar em proibir o aborto –já que o presidente havia citado o problema demográfico do país. Faltariam soldados para o seu Exército?
Na primeira década do século 21, a geração daquelas garotas parece ter crescido num vácuo desolador. Sem um regime autoritário explícito a combater de frente, como fizeram seus pais.
E sem um resgate literário/musical, cuja transcendência foi ofuscada pela internet, pela tecnologia –e pelo capitalismo recém-instalado. Diga-se de passagem, torpemente instalado.
Tudo isso constituiu um terreno fértil para a inteligência e energia das integrantes do Pussy, cujo nome sugere algo como a insurgência das xotas.
Masha Gessen esmiuça a biografia de cada uma das principais integrantes, oferecendo um painel esclarecedor do período. Com uma abordagem que lembra a da jornalista norueguesa Åsne Seierstad, de "O Livreiro de Cabul" e "Infância Roubada", sobre a Tchetchênia, a autora aproveita bem sua dupla nacionalidade: "Palavras Quebrarão Cimento" tem a paixão eslava aliada à precisão norte-americana quanto a datas, locais e nomes.
Foi justamente uma data palíndromo –21/2/2012– que alçou o Pussy Riot ao posto de fenômeno de celebridade internacional e tornou suas artistas adultas precoces.
Ao optarem pela Catedral do Cristo Salvador, no centro da capital, como cenário de sua intervenção/show naquele dia e por um refrão em que suplicavam à Virgem Maria que livrasse a Rússia de Putin, elas se arriscaram demais: foram presas e julgadas.
Palavras Quebrarão Cimento |
Masha Gessen |
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As cenas dos julgamentos, tendenciosos e tediosos, colocam o leitor brasileiro diante de um espelho arrepiante.
Masha Gessen faz dezenas de entrevistas e troca farta correspondência com as detentas. Embora se dê ao luxo de algumas licenças poéticas, tem absoluta noção de que não é preciso inventar nada.
Aquela realidade, fincada naquele lugar e com aqueles personagens é suficientemente transgressora, de um lado, opressora de outro e transparente (sem nenhuma alusão à glasnost de Gorba- tchov) para quem quiser enxergar. O livro é precioso.
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