• Ilustrada

    Thursday, 02-May-2024 09:24:49 -03

    Crítica

    Michel Laub faz narrativa fria da hipocrisia dos juízos morais

    FRANCESCA ANGIOLILLO
    EDITORA-ADJUNTA DE CULTURA

    12/11/2016 02h22

    Michel Laub não teme enfrentar os grandes temas –ou mesmo os enormes, como fez com o Holocausto, em "O Diário da Queda" (2011), numa trama que mesclava identidade judaica e memória –ou sua perda.

    Em seu sétimo romance, "O Tribunal da Quinta-Feira", Laub escolhe uma nova dupla de tópicos de monta: a Aids e os julgamentos morais, que, se não são uma exclusividade de nosso tempo, se veem nele exacerbados pelas redes sociais.

    De início, José Victor, o narrador, nos contará suas recordações da adolescência e início da vida adulta sob a descoberta da Aids. Em paralelo, nos fala da amizade com Walter, começada quando os dois estudavam publicidade.

    Fabio Braga/Folhapress
    SÃO PAULO, SP, BRASIL, 04-12-2012: Literatura: o escritor Michel Laub, autor de "Diário da Queda", posa para foto em seu apartamento, em São Paulo (SP). (Foto: Fabio Braga/Folhapress, ILUSTRADA)
    Michel Laub, autor do livro 'O Tribunal da Quinta-Feira'

    Na correspondência eletrônica dos dois, a intimidade de 25 anos de conhecimento mútuo permite piadas chulas, segredos de cunho sexual e um léxico peculiar, que não teriam por que fazer sentido fora daquele âmbito restrito.

    E não fazem, como os acontecimentos comprovarão.

    Quando Teca, recentemente separada de José Victor, resolve expor trechos editados da correspondência a alguns destinatários que, dali, fazem o caso explodir nas redes sociais, o linchamento não tarda. As consequências qualquer um hoje pode facilmente imaginar.

    Toda a trama é contada em primeira pessoa por José Victor, salvo nos trechos reproduzidos de mensagens (e mesmo estes, apresentados por ele, podem ser parciais).

    Ainda assim, se o leitor não desconfia desse narrador altamente comprometido com os fatos que nos conta, isso se deve ao tom contido da narrativa, oscilando entre o descritivo e o enumerativo.

    Mesmo quando sardonicamente discorre sobre sua ex-mulher e sua família, o faz de tal forma que não nos sentimos diante de alguém cuja crítica nasce do ressentimento –Laub lança bem mão dos clichês que vemos encarnados em gente real à nossa volta.

    Esse discurso estranhamente objetivo, inabalável –uma concessão que a verossimilhança faz ao artifício literário– é o que permite que o leitor se cole à percepção dos fatos de José Victor.

    O Tribunal Da Quinta-feira
    Michel Laub
    l
    Comprar

    Por outro lado, a frieza com que José Victor conta sua história também contribui para deixar adormecida a empatia do leitor, feito pelo artifício um observador de uma história desapaixonada.

    Eliminada a possibilidade de gerar qualquer emoção compassiva, Laub deixa que o leitor se coloque, por vezes, como o próprio João Victor, no papel de réu, procurador e juiz –de si, e não dos personagens. (Curioso notar que a personagem ironicamente nomeada como vítima se recusa a esse papel.)

    É um romance cuja brevidade não nos faz intuir sua complexidade, que abre mão de oferecer uma solução apaziguadora para a trama, mas também de abalar o leitor em suas crenças. Toda identificação propiciada é cerebral.

    Mais que tudo, trata-se de um estudo estilisticamente bem dominado sobre a hipocrisia social.

    O TRIBUNAL DA QUINTA-FEIRA
    AUTOR Michel Laub
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO R$ 34,90 (184 págs.); R$ 23,90 (e-book)
    LANÇAMENTO: 21/11, às 19h30, na Livraria da Vila (al. Lorena, 1.731, tel. 11-3062-1063)

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024