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    crítica

    Thriller japonês 'Creepy' faz emergir o macabro na banalidade

    ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    21/11/2016 02h00

    Divulgação
    Cena de 'Creepy', de Kiyoshi Kurosawa
    Cena de 'Creepy', de Kiyoshi Kurosawa

    Infelizmente pouco conhecido no Brasil, Kiyoshi Kurosawa é respeitado pela habilidade em abordar vários gêneros -do melodrama ao policial, passando pela ficção científica-, muitas vezes no mesmo filme.

    Mas é inegável que seu domínio de predileção é o thriller de terror, como indicam os notáveis "Cure" (1997) e "Pulse" (2001). Adaptado de um recente best-seller de Yutaka Maekawa, "Creepy" marca a volta do diretor japonês ao gênero que o consagrou.

    A partir de personagens com jeitão de arquétipos -o policial traumatizado por um fracasso, a dona de casa que passa o dia entre quatro paredes, o assassino frio e manipulador-, Kurosawa instala aos poucos uma atmosfera angustiante que converge para o macabro.

    Koichi Takakura (Hidetoshi Nishijima) é professor de psicologia criminal numa universidade depois de ter abandonado a polícia por causa de um trágico incidente em que uma pessoa inocente morreu e ele ficou ferido.
    Um ano mais tarde, ele se muda para um bairro afastado e tranquilo com a mulher, Yasuko (Yuko Takeuchi).

    A primeira coisa que ela faz na nova casa é procurar conhecer os vizinhos, levando-lhes um pequeno presente, gesto de cordialidade tipicamente japonês. A iniciativa não dá resultado, pois os vizinhos se mostram desconfiados.

    A primeira que encontra parece assustada e vai logo dizendo que não quer conversa. O segundo, Nishino (Teruyuki Kagawa), o pai de "Sonata de Tóquio"), é um tipo esquisito -inicialmente seco e hostil, depois amável, mas sempre inquietante- que vive praticamente recluso com a mulher doente.

    As coisas começam a ganhar outros contornos quando Nogami (Masahiro Higashide), um ex-colega de Takakura, o chama para investigarem juntos o estranho desaparecimento de uma família, caso antigo abandonado pela polícia e que ficou sem solução. A decadência da família e a incomunicabilidade, temas caros a Kurosawa, estão por toda parte aqui.

    A dupla de detetives interroga Saki (Haruna Kawaguchi), a única sobrevivente da família, e segue as pistas apontadas pela memória dela. Paralelamente à investigação, outros assassinatos começam a acontecer, perturbando o ex-detetive.

    Takakura entra num beco sem saída -por meio de coincidências, reviravoltas e pistas falsas que o confundem, assim como o espectador. O suspense policial vai progressivamente dando espaço ao terror e situações apavorantes se sucedem, fazendo jus ao título, que significa "arrepiante". No meio delas, o detetive avança para um destino inexorável.

    MAL ENCARNADO

    Kurosawa usa com desenvoltura de mestre recursos cinematográficos como cortes bruscos, lentos planos-sequência, efeitos de zoom, câmera subjetiva e uma fotografia que abusa de tons cinza-azulados para dar ainda mais densidade a essa ambiência mórbida e trabalhar a tensão psicológica, levando-a ao paroxismo.

    Outro ponto alto é a brilhante construção da figura do vilão, um serial killer psicopata que usa um método original e assustador para se livrar dos cadáveres. Encarnação do mal absoluto, o sinistro personagem invade silenciosamente a vida alheia até passar a controlá-la, sem que a vítima perceba. Quando o filme caminha para o desfecho -perturbador e surpreendente-, as vítimas já perderam sua individualidade e agem como autômatos.

    Apesar de algumas inconsistências do roteiro, a narrativa tem a força de um pesadelo no qual o cotidiano se fissura e a loucura, a violência e a sordidez se infiltram insidiosamente num universo normal apenas na aparência.

    CREEPY
    DIREÇÃO Kiyoshi Kurosawa
    ELENCO Hidetoshi Nishijima, Yuko Takeuchi, Teruyuki Kagawa
    PRODUÇÃO Japão, 2016, 14 anos
    QUANDO em cartaz
    AVALIAÇÃO muito bom ★★★★

    Edição impressa

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