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    Rosângela Rennó filtra lembranças com perfume em mostra no Rio

    SILAS MARTÍ
    ENVIADO ESPECIAL AO RIO

    22/11/2016 02h20

    Uma estranha butique ocupa o átrio do Oi Futuro, no Rio. Rosângela Rennó encheu vidrinhos com resinas aromáticas que são queimadas ali como incenso, espalhando nuvens perfumadas pelo museu.

    Esse trabalho delicado invade o resto da mostra da artista como pano de fundo olfativo para obras que tratam da busca pelo transcendental. Um tanto hippie, Rennó monta nessa retrospectiva uma série de instalações e vídeos que "têm magia e fantasmagoria".

    No caso, faz sentido que a primeira sala da mostra, passado o átrio perfumado, seja de imagens mergulhadas na penumbra, quase vultos de paisagens vistos em impressões enegrecidas pela superexposição em laboratório.

    Em cada ampliação, Rennó queimou partes da imagem, escondendo os contornos de bosques e jardins atrás de densas manchas pretas.

    Enquanto essas fotografias formam um panorama de buracos negros, lanternas e projetores do século 19 lançam sobre as paredes ao lado delas visões imaculadas das mesmas paisagens, contrastando memória e esquecimento.

    "É usar a mesma luz para produzir efeitos opostos", diz Rennó. "O que me movia era a possibilidade de alargar o tempo de dedicação a uma imagem. É combater o imediatismo de uma imagem rasa."

    Mesmo estáticas, essas fotografias passam a sensação de movimento pelos tamanhos distintos dos buracos negros nas cópias impressas, tal qual uma animação vista em câmera lenta, quadro a quadro. As projeções parecem vibrar da mesma forma, presenças frágeis em contraponto ao espetáculo material das lanternas, pesadas máquinas iluminadas ali como joias.

    Também lembram relíquias os mais de 250 frascos de perfume que a artista infiltrou na vitrine usada pelo espaço como pequeno museu das telecomunicações. Vidros da Chanel ou da Cartier estão ali
    ao lado de telefones e rádios.

    "Todos eles se juntam na memória", diz Rennó. "É a ideia de que a partir de uma gota de perfume você pode construir uma civilização inteira."

    Ou várias delas. Na maior galeria da exposição, a artista mostra quase todos os vídeos de sua série "Turista Transcendental", em que filmou lugares exóticos do planeta com um olhar que mistura a sensibilidade de um viajante romântico do século 19 com o de um deslumbrado do século 20, viciado em câmeras digitais.

    Na série, há um festival religioso na Índia, a lua cheia brilhando sobre a Chapada dos Veadeiros, a travessia do estreito de Bósforo em Istambul e um passeio por um grande jardim japonês em Montevidéu,entre outras paisagens.

    Um passeio de carro pelo deserto de sal de Uyuni, na Bolívia, deu forma à mais frenética dessas visões, com a paisagem filmada na vertical em alta velocidade, transformando às vezes a linha do horizonte em reta perfeita a atravessar o quadro de cima a baixo.

    Nessas andanças, Rennó parece buscar um sentido de orientação e ao mesmo tempo uma conexão cósmica entre os planos terreno e celestial, algo que passa pela ideia de identidade e memória.

    No último andar, retratos de anônimos que resgatou do lixo de estúdios do Rio surgem como fantasmas na parede, projetados a partir de negativos girando em torno de uma lâmpada. É como se a existência, rodopiando ali ou como câmera subjetiva de suas aventuras pelo mundo, nunca se dissociasse da lógica de sedução da imagem.

    O jornalista viajou a convite do Oi Futuro.

    ROSÂNGELA RENNÓ
    QUANDO de ter. a dom., das 11h às 20h; até 29/1/2017
    ONDE Oi Futuro, r. Dois de Dezembro, 63, Rio, tel. (21) 3131-3060
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