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    Diretor de 'Tropa de Elite' diz que ser contra Lava Jato é fazer jogo da direita

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    22/11/2016 02h30

    A metralhadora verbal do cineasta José Padilha não poupa Lula, Dilma, Temer, Renan ou Cabral. Não lhe comove nem mesmo a imagem do ex-governador do Rio Anthony Garotinho se esgoelando numa ambulância, que correu a internet com a notícia de sua prisão preventiva na Operação Chequinho.

    "Morri de rir", afirma à Folha o diretor carioca de 49 anos. Ele só poupa a Operação Lava Jato, que em suas mãos virará uma série para a Netflix no ano que vem, e a figura de Sergio Moro, cuja aura controversa ele rebate.

    Murillo Meirelles
    José Padilha
    O diretor brasileiro José Padilha

    "Ser controverso é propriedade de qualquer um que ofereça risco ao PT e ao Lula", escreve por e-mail, enquanto filma, na ilha de Malta, no Mediterrâneo, seu novo longa, o drama "Entebbe", sobre o sequestro de um avião por guerrilheiros palestinos.

    Em "Tropa de Elite 2" (2010), Padilha mostrou um governador do Rio saindo ileso dos escândalos. Hoje, acha que a impunidade vai prevalecer, a despeito das prisões preventivas de Sérgio Cabral e de Anthony Garotinho, na semana passada.

    *

    Folha - "Tropa de Elite 2" termina com a impunidade de um governador. A semana passada acabou com dois ex-governadores do Rio presos. Hoje reavalia o prognóstico?
    José Padilha - "Tropa de Elite 2" termina com uma tomada aérea do Congresso e um discurso do Capitão Nascimento alertando que não era só no Rio que havia corrupção sistêmica, mas no país como um todo. Não era um prognóstico, era uma constatação. Hoje vemos o PMDB, sob a batuta de Temer e Renan, lutando com afinco para garantir a impunidade dos operadores da corrupção sistêmica em texto constitucional. Talvez, no fim, a impunidade saia vencedora.

    Cabral e Garotinho são acusados por fatos que não envolvem a segurança pública. Se fizesse o filme hoje, trataria das outras formas de financiamento da corrupção?
    Um filme, para funcionar, precisa ter foco narrativo. O do "Tropa de Elite 2" era sobre corrupção e segurança pública.

    Cabral foi preso na Lava Jato, que você pretende transformar em série para a Netflix. Em que pé isso está?
    Estamos escrevendo o roteiro dos oito primeiros capítulos e iniciaremos as filmagens no ano que vem. A série será lançada em todo o mundo. É só o que posso contar no momento.

    A Lava Jato tem acumulado críticas como a de que é excessiva em prisões provisórias. Pretende abordar esses dilemas e contradições?
    Vamos abordar a Lava Jato da forma mais completa e isenta possível.

    Críticas a "Narcos" diziam respeito aos riscos de ver Pablo Escobar sob luz favorável. Não crê que a série pode contribuir para endeusar a figura controversa do juiz Sergio Moro?
    A pergunta assume tacitamente a premissa de que Moro é uma figura controversa. Não sei se "ser controverso" é de fato uma propriedade de Sergio Moro. Acho que "ser controverso" é, antes de mais nada, uma propriedade de qualquer pessoa que ofereça risco real ao PT e ao Lula.

    "Tropa de Elite" traz como personagens pessoas públicas que são reconhecíveis. Pretende lançar mão do mesmo expediente na série?
    Os cargos públicos identificam seus ocupantes.

    A semana contou com imagens de Garotinho esperneando numa ambulância. Crê que a Lava Jato tem contribuído para essa espetacularização?
    Acho injusto atribuir a performance de Anthony Garotinho à Lava Jato. O sujeito nasceu para ser ator de chanchada. Morri de rir.

    O governo do Rio enfrenta uma crise, atribuída às gestões do PMDB. Parte da elite deu apoio a Cabral por confiar no projeto das UPPs. Acredita que o ex-governador foi protegido por esses setores?
    Boa parte da mídia e do empresariado carioca fez vista grossa para a roubalheira do Cabral por acreditar nas UPPs, assim como boa parte da esquerda e da mídia brasileira fez vista grossa para o mensalão e para [a compra da Refinaria de] Pasadena por acreditar no PT. No Brasil, a miopia é generalizada, não tem ideologia.

    Acha que esse apoio fundando em torno das UPPs valeu a pena? Acha que Cabral foi bem fiscalizado pelas esferas da sociedade civil?
    Apoiar politico corrupto nunca vale a pena, tenha ele a ideologia que tiver. No caso das UPPs, no dia em que a PM invadiu o Alemão, fui à GloboNews dizer que o projeto iria fracassar. Não sei como pessoas inteligentes puderam acreditar que uma policia incompetente, falida, corrupta e violenta como a do Rio, chefiada por um governador desvairado e ladrão, poderia resolver o problema da segurança pública Estado... Inacreditável.

    Como encarou o protesto anti-impeachment feito em Cannes pela equipe de 'Aquarius'?
    Não me oponho a quem reclamou do impeachment. Nunca fui a favor. O correto teria sido o afastamento de Cunha e Renan, e a impugnação da chapa de Dilma-Temer no TSE. Isso não significa que eu defenda Lula e o PT. Vivemos uma briga de quadrilhas.

    A máfia que a esquerda elegeu, representada pela chapa Dilma-Temer e financiada pela maquina PT/PMDB, rachou ao meio sob a Lava Jato. Um capo traiu outro. No fim, são todos bandidos.

    A Lava Jato é o único caminho, e é uma pena que a esquerda não admita os crimes do PT e passe a apoiar as investigações. Ser contra a Lava Jato agora é ajudar ao PMDB e ao PSDB, é fazer o jogo da direita.

    Em agosto de 2015, você disse à Folha que acalentava um projeto sobre o crescimento imobiliário de Nova York centrado num personagem inspirado em Donald Trump.
    Continuo tocando o projeto, mas vou ter que mudar o roteiro.

    Você se mudou para os EUA após uma invasão à sua produtora. Pretende voltar?
    Pretendo sim. Só não sei quando.

    Colaborou MAURÍCIO MEIRELES

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