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    Exposição relembra Ernesto Varela, repórter fictício criado por Tas

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    27/11/2016 02h29

    Ernesto Varela é palmeirense. Filho único, nasceu e mora no Tucuruvi, zona norte, e tinha um Chevette velho ao estrear como repórter, em 1983. Batalhou para estudar com ajuda da mãe, decorou a enciclopédia Barsa, é apaixonado pelo jornalismo.

    O personagem de Marcelo Tas –que no mundo real havia trocado engenharia na Poli por aulas de teatro– foi desenvolvido em cadernos escritos à mão que serão expostos na ocupação Varela Upload. Começa na quarta (30) no Itaú Cultural, em São Paulo.

    São indicações como "Ingênuo, frágil, Varela procura falar bem o português" ou "Segura carinhosamente a câmera e fala com a equipe".

    O personagem jamais abandonaria o ator e jornalista, embora Tas, 57, tenha se popularizado também como o Professor Tibúrcio de "Rá-Tim-Bum" (Cultura, 1990-94) e como apresentador do "CQC" (Band, 2008-14).

    Foi desenvolvido junto com o câmera Valdeci, personagem encarnado por Fernando Meirelles, da produtora Olhar Eletrônico, que depois seria o diretor de "Cidade de Deus" (2003).

    PRIMEIRO CICLO

    O primeiro ciclo de Varela, como Tas chama, não chegou a completar quatro anos, mas produziu entrevistas célebres, transmitidas por quatro emissoras (Gazeta, SBT, Record, Manchete). Acompanhou o início da Nova República, pós-ditadura, desde o comício de 1983 na praça Charles Miller, no Pacaembu.

    "Lula, Fernando Henrique, Hélio Bicudo, que derrubou a Dilma", recorda Tas, procurando o vídeo. "Isso aqui é um documento único, as únicas imagens em movimento do primeiro comício das diretas. Fui até pesquisar para saber por que as outras emissoras não estavam. O Montoro era o governador e ele foi ao Grande Prêmio São Paulo, uma corrida de cavalos."

    As demais televisões foram ao Jóquei. E Varela foi ao Pacaembu ouvir Lula, Marta Suplicy e outros sobre "o prazer da política". Também naqueles primeiros tempos, levou um bolo ao Congresso e perguntou para o então deputado Paulo Maluf, que fazia aniversário, se ele era "ladrão".

    Varela saiu de cena em 1986 depois de um episódio na Manchete. Na edição de uma entrevista sobre "como matar os brasileiros", com o coronel Erasmo Dias, político que defendia a pena de morte, as imagens de fundo remetiam ao nazismo –eram de um comercial da Apple.

    "A gente foi tirado do ar na semana seguinte, e eu senti que era hora de dar um tempo", diz Tas. Varela voltaria nos anos 90 com a série "Netos do Amaral", na MTV. Depois faria entrevistas, "mais de 300", na rádio 89 FM.

    O personagem ainda chegaria ao teatro, em 2005, na comédia "A História do Brasil Segundo Ernesto Varela", cumprindo temporadas de quatro meses em SP e no Rio –e resultando num vídeo, com o retorno a Brasília para ver o que havia mudado em 20 anos: quase nada.

    Tas agora está "começando uma outra etapa, e quem está estreando é o Varela". Junto com a ocupação, está abrindo canal no YouTube, para vídeos autorais. Brinca ser um YouTuber à lenha.

    "Eu tive uma vida precoce nas redes sociais, daí os dez milhões de seguidores, porque entendi uma coisa que a TV aberta precisa entender", diz. "O cara não é mais o 'da poltrona', como o Didi falava. O cara vê no telefone, onde quer, na hora que ele quer."

    BRASIL

    Tas se anima com trabalhos nessa linha, que aproximam a televisão da internet, como fez no SporTV durante os Jogos do Rio e como faz no GNT com "Papo de Segunda". Para ele, não existe mais "um programa que vai ao ar, mas uma história, da qual as pessoas não querem se desligar".

    Quanto ao Brasil, ele se diz menos animado. "Vejo um arco bem definido: O Varela começa com a Nova República, e agora a gente está vendo o fim da Nova República. O que é uma boa notícia, porque alguma coisa tem que vir".

    Acrescenta: "Para fazer justiça ao Lula, aquele Lula barbudo que entrevistei nas Diretas Já, ele falava querer que as pessoas que tinham oito anos tivessem, 30 anos depois, uma vida melhor do que a que ele teve. Eu acho que ele conseguiu, em parte."

    "Só que fazendo a mesma política que criticava. Essa é a falha trágica não só do Lula, mas do Fernando Henrique também, dos outros. O que falta hoje no horizonte político brasileiro é justamente alternativa ao que está aí."

    Questionado sobre onde Ernesto Varela estaria agora, em busca do novo, responde: "Hoje ele teria uma agenda muito carregada, porque tem muita coisa acontecendo... Hoje é um prato cheio".

    Entrevista com Marcelo Tas

    CRIADORES

    Os óculos vermelhos estarão lá. Também cerca de 80 vídeos, mais fotos, cadernos. E a célebre câmera Ikegami, em torno da qual cresceu a produtora Olhar Eletrônico, de Fernando Meirelles.

    "Só as TVs tinham câmeras, elas eram as proprietárias da notícia televisiva", diz Tas. "O Olhar Eletrônico foi isso, um grupo fez uma vaquinha e comprou uma câmera."

    Seu encontro com o grupo aconteceu quando Meirelles e Paulo Morelli foram ao Centro de Pesquisa Teatral, de Antunes Filho. "Queriam fazer ficção, aí eu fui o guia deles lá no Antunes." Logo estava passando as noites na produtora.

    "A gente usava a câmera como quem usa uma caneta, com influência do cinema soviético, Dziga Vertov, homem câmera." E uma diferença: "A gente queria fazer vídeo. O pessoal do cinema olhava a gente mal, inclusive".

    No dia 6, às 20h, um debate encerra a mostra, com Tas, Meirelles e outros dois intérpretes do câmera Valdeci, Toniko Melo e Eder Santos, mais o colunista da Folha Demétrio Magnoli e o ex-jogador e comentarista Casagrande.

    *

    VARELA UPLOAD
    QUANDO de 30/11 a 6/12; ter. a sex., das 9h às 20h; sáb. e dom., das 11h às 20h
    ONDE Itaú Cultural - av, Paulista, 149, tel (11) 2168-1777
    CLASSIFICAÇÃO livre
    QUANTO grátis

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