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    Antologia reúne textos publicados por Paulo Francis sobre jornalismo

    MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
    EDITOR DA "ILUSTRÍSSIMA"

    29/11/2016 02h00

    "Mais uma coletânea de textos. Waaal..." Esse poderia ser um início à la Paulo Francis, com sua característica expressão... Gênero corrente, a reunião em livro de textos escritos para a imprensa ressente-se muitas vezes do deslocamento de um meio presidido pelo registro cotidiano dos fatos para outro que aspira à permanência.

    Esse salto da estenografia para a lápide muitas vezes fica no meio do caminho, aborrecendo o leitor com episódios que parecem trancafiados no passado, à espera da melhor interpretação que a perspectiva do tempo propicie.

    Não obstante, a publicação de "A Segunda Mais Antiga Profissão do Mundo", com o subtítulo "Jornalismo e Cultura nos Textos do Maior Polemista da Imprensa Brasileira" é uma prova do interesse que Paulo Francis (1930-1997) continua a despertar.

    Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
    Paulo Francis na sede da Folha, em 1982; ele tem textos reunidos em 'A Segunda Mais Antiga Profissão do Mundo
    Paulo Francis, em 1982; ele tem textos reunidos em 'A Segunda Mais Antiga Profissão do Mundo'

    É a segunda compilação dele preparada pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha, em quatro anos.

    "A primeira antologia, "Diário da Corte" (2012), foi muito bem recebida pelo público", diz Alcino Leite Neto, editor da Três Estrelas. "Atribuo esse sucesso não apenas ao charme do estilo informal e provocador, mas também à aptidão a tratar os leitores sempre como seres maduros, vocacionados para a inquietação e a liberdade."

    Nelson de Sá, jornalista da Folha e organizador das duas coletâneas, preferiu desta vez adotar um critério mais definido. "Sugeri concentrar em jornalismo. Era assunto recorrente do Francis. Ele foi um crítico de mídia", diz.

    O volume traz quase uma centena de textos publicados na Folha de 1975 a 1990 –o primeiro sobre a estreia de Pelé na equipe do Cosmos.

    Francis relata o interesse do público americano pelo craque brasileiro (mais por ganhar um dinheirão do que por ser o melhor num esporte que poucos conheciam) e chama a atenção para o esforço promocional da mídia.

    Além das aparições nos noticiários da CBS, NBC e ABC, ele conta que "o augusto 'The New York Times' chegou a saudar Pelé em editorial".

    O livro termina com uma breve rememoração da carreira, que teve início em finais da década de 1950 e percorreu algumas das principais publicações brasileiras.

    "A carreira tem suas dores e imprevistos desagradáveis como tudo na vida, mas não tenho do que me queixar. É possível ser jornalista e honrado." E termina com uma recomendação: "Acho que é um dever de jornalista adotar o mote dos anarquistas. Hay gobierno, soy contra".

    Responsável pela compilação dos textos da nova coletânea, Nelson de Sá diz que sua convivência com Francis em Nova York (quando ambos trabalhavam para a Folha) não deixou nenhuma dúvida sobre o espírito jornalístico do correspondente, que muitos, não sem razão, preferiam ver sobretudo como polemista.

    "Ele sempre foi repórter", diz Nelson. "Era muito opinativo, até nos maiores furos, mas se orgulhava das fontes, de publicar antes."

    Esse formato em que informação, análise e opinião se combinam de maneira, se não equilibrada, ao menos interessante é hoje um dos atrativos do jornalismo.

    Francis parecia precocemente sintonizado com as novas demandas, muitas das quais se consolidariam com o advento da internet.

    Citando, por exemplo, Henry R. Luce, criador da "Time", escreveu, em 1982: "O leitor moderno não quer ou não tem tempo para literatices. Quer coisas rápidas e interpretativas. Essa lição permanece ignorada pela maioria da imprensa escrita do mundo. E a maioria vai falir".

    Francis gostava de ser repórter, como gostava de opinar, fosse de maneira peremptória, fosse por meio de um raciocínio que se entrelaçava com a análise. Foi um tipo de jornalista que parece em extinção, capaz de transitar com graça e inteligência de Hollywood à alta cultura, passando pela política, pela economia e pelos grandes temas internacionais.

    É sempre interessante reencontrá-lo em momentos marcantes, como a eleição de Ronald Reagan para presidente, ou em meio a debates sobre liberdades e ideologias.

    Ele também foi, a propósito, um dos primeiros a perfazer um movimento que se tornou quase caricato em algumas de suas contrafações atuais –a passagem da esquerda para a direita.

    Na coletânea, críticas ao marxismo aparecem em artigos já de 1980. Trotskista em outros tempos, Francis passou a ver no stalinismo não só um "desvio" mas algo intrinsecamente ligado ao projeto marxista.

    A guinada à direita foi também um "modismo" internacional, que o tocou mais facilmente em Nova York. E possivelmente foi reforçada pela atuação como comentarista da Rede Globo, que fez dele uma figura midiática.

    PETROLÃO

    A Segunda Profissão Mais Antiga do Mundo: Paulo Francis
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    O texto de introdução da coletânea destaca um momento marcante da atividade jornalística de Francis –a denúncia sobre corrupção na Petrobras.

    O caso foi revelado de maneira intempestiva, no programa "Manhattan Connection", da Globosat, em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. "É a maior quadrilha que já existiu no Brasil", disse no ar.

    Um mês depois, o presidente da empresa, Joel Rennó, e outros diretores moveram um processo contra Francis em Nova York –episódio que o atormentou até sua morte prematura em 1997.

    A SEGUNDA MAIS ANTIGA PROFISSÃO DO MUNDO
    AUTOR Paulo Francis (org. Nelson de Sá)
    EDITORA Três Estrelas
    QUANTO R$ 74,90 (408 págs.)

    Edição impressa

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