• Ilustrada

    Thursday, 02-May-2024 00:07:08 -03

    Crítica

    Em seus diários, Susan Sontag constrói pensamento iconoclasta

    NOEMI JAFFE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    03/12/2016 02h26

    Preferir a mão esquerda. Como Samuel Beckett, que optava pela canhota para poder desafiar-se e para recusar o automatismo do que já é conhecido, também Susan Sontag inicia assim as anotações de seu diário, em 1964.

    Essa segunda coletânea de seus escritos, selecionada por seu filho David Rieff, confirma a vocação "gauche" da autora. Por meio de fragmentos-ruínas-índices, o leitor vai conhecendo, processualmente, a formação do pensamento e da militância de uma das grandes pensadoras da cultura do século 20.

    E faz todo sentido que seja essa a linguagem de sua intimidade, por vezes constrangedoramente sincera. Porque é essa mesma a linguagem possível para o século que se sucedia aos trancos, aos pedaços, em cacos velozes e simultâneos, desafiando as mãos esquerdas a compreendê-lo e expressá-lo.

    Sophie Bassouls/Corbis
    ORG XMIT: 480301_1.tif Literatura: a escritora norte-americana Susan Sontag em 1979. 23 Mar 1979 --- Susan Sontag relaxes on a sofa. Sontag is an American "new intellectual," writer, and commentator on modern culture. She has published essays, novels, and short stories, and written and directed films. Her work on experimental art in the 1960s and 1970s and on a variety of societal issues has had a great impact on American culture. --- Image by ® Sophie Bassouls/CORBIS SYGMA
    Susan Sontag no sofá em 1979

    Desde as tentativas de amar a mãe que dizia odiar –"Felicidade é infidelidade"–, passando pelos filmes que assistia, livros que lia, exposições que frequentava, até sua militância feminista e seus relacionamentos bissexuais, os diários são uma jornada pela construção de um pensamento iconoclasta e consistente.

    "O que uma pessoa é é a ideia de si mesma. Se a pessoa pensa que é amável, é; bela, talentosa, etc." Nessa frase, por exemplo, desmistifica-se uma ideia arraigada de que existe uma essência que se oporia a uma aparência, considerada menor pela filosofia tradicional.

    Sontag, como Barthes, sabe que, na aparência, na superfície, é que se revelam as sensações, mais autênticas do que as ideias. "O segredo de um sentimento é aprender a respirar para fora."

    Da mesma forma, também a raiva vai sendo liberada, numa atitude pela qual a autora ficou conhecida do público: "Se não consigo acusar o mundo, tenho de acusar a mim mesma. Estou aprendendo a acusar o mundo".

    E, ainda assim, o que vai se desenhando, pela leitura, é uma pessoa amorosa, em permanente conflito com seus amores, cuja prece essencial é "Paz e volúpia". Um desejo que certamente valeria para os dias de hoje e que, aliás, está fazendo falta.

    *

    DIÁRIOS II (1963-1981)
    AUTORA Susan Sontag
    TRADUÇÃO Rubens Figueiredo
    EDITORA Companhia das Letras
    QUANTO: R$ 69,90 (584 págs.) OU R$ 39,90 (e-book)

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024