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    Leia alguns dos poemas mais famosos de Ferreira Gullar

    DE SÃO PAULO

    04/12/2016 12h41

    Ferreira Gullar, morto neste domingo (4) aos 86 anos no Rio de Janeiro, teve uma obra em campos diversos como a crítica literária ou, mais recentemente, as artes plásticas. O artista, no entanto, é mais conhecido por sua poesia.

    Foram 17 livros com versos publicados ao longo de mais de 65 anos. Entre os mais famosos estão "Poema Sujo", de 1976, e "Muitas Vozes", de 1999.

    Leia abaixo alguns de seus poemas mais famosos.

    *

    TRADUZIR-SE
    (do livro "Na Vertigem do Dia", 1980, ed. José Olympio)

    Uma parte de mim
    é todo mundo;
    outra parte é ninguém:
    fundo sem fundo.

    Uma parte de mim
    é multidão:
    outra parte estranheza
    e solidão.

    Uma parte de mim
    pesa, pondera;
    outra parte
    delira.

    Uma parte de mim
    almoça e janta;
    outra parte
    se espanta.

    Uma parte de mim
    é permanente;
    outra parte
    se sabe de repente.

    Uma parte de mim
    é só vertigem;
    outra parte,
    linguagem.

    Traduzir-se uma parte
    na outra parte
    - que é uma questão
    de vida ou morte -
    será arte?

    *

    NASCE O POETA (trecho)
    (do livro "Muitas Vozes", 1999, ed. José Olympio)

    No princípio
    era o verso
    alheio

    Disperso
    em meio
    às vozes
    e às coisas
    o poeta dorme
    sem se saber

    ignora o poema
    que não tem nada a dizer

    *

    APRENDIZADO
    (Do livro "Barulhos", 1987, ed. José Olympio)

    Do mesmo modo que te abriste à alegria
    abre-te agora ao sofrimento
    que é fruto dela
    e seu avesso ardente.

    Do mesmo modo
    que da alegria foste
    ao fundo
    e te perdeste nela
    e te achaste
    nessa perda
    deixa que a dor se exerça agora
    sem mentiras
    nem desculpas
    e em tua carne vaporize
    toda ilusão

    que a vida só consome
    o que a alimenta.

    *

    MEU POVO, MEU POEMA
    (do livro "Dentro da Noite Veloz", 1975, ed. José Olympio)

    Meu povo e meu poema crescem juntos
    como cresce no fruto
    a árvore nova

    No povo meu poema vai nascendo
    como no canavial
    nasce verde o açúcar

    No povo meu poema está maduro
    como o sol
    na garganta do futuro

    Meu povo em meu poema
    se reflete
    como a espiga se funde em terra fértil

    Ao povo seu poema aqui devolvo
    menos como quem canta
    do que planta

    Reprodução
    Poesia concreta: "mar azul" [mar.azul], poema de Ferreira Gullar do livro "Poemas Concretos/Neoconcretos"
    'mar azul', poema do livro "Poemas Concretos/Neoconcretos", de Ferreira Gullar

    CANTADA
    (idem)

    Você é mais bonita que uma bola prateada
    de papel de cigarro
    Você é mais bonita que uma poça d'água
    límpida
    num lugar escondido
    Você é mais bonita que uma zebra
    que um filhote de onça
    que um Boeing 707 em pleno ar
    Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobras
    de noite
    mais bonita que Ursula Andress
    que o Palácio da Alvorada
    mais bonita que a alvorada
    que o mar azul-safira da República Dominicana

    Olha,
    você é tão bonita que o Rio de Janeiro
    em maio
    e quase tão bonita
    quanto a Revolução Cubana

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