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    Artista descoberto vendendo quadros na rua é tema de exposição no Masp

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    09/12/2016 17h00

    No vão livre do Masp, o circo Piolim montou sua lona, anunciando uma grande comédia. Famílias fazem fila à sombra da estrutura de concreto na avenida Paulista, seus vitrais refletindo os contornos da metrópole ao redor.

    Essa pintura que abre a mostra de Agostinho Batista de Freitas, agora no subsolo do prédio de Lina Bo Bardi, sintetiza a relação do artista com o maior museu do país -a máquina central do circuito artístico da elite flutuando sobre um espetáculo popular.

    Mas não parece haver uma hierarquia ali. O artista, morto aos 70, em 1997, foi um dos muitos nomes ditos populares, naïfs ou autodidatas apadrinhados pelo museu, que se esforçou no início para enfraquecer a influência que diferenças de classe exercem sobre a história da arte e a construção dos acervos do país.

    Divulgação
    Tela de Agostinho Batista de Freitas agora em mostra no Masp
    Tela de Agostinho Batista de Freitas agora em mostra no Masp

    Descoberto na década de 1950 vendendo seus quadros no viaduto do Chá, Freitas foi central a essa tentativa de inverter a narrativa tradicional da ascensão de um artista.

    Pietro Maria Bardi, que o viu retratando uma São Paulo delirante, de luminosos publicitários galgando os arranha-céus, levou o artista para o alto do Banespa e pediu que lá fizesse mais um quadro -a tela foi parar na primeira mostra da história de Freitas, realizada em 1952, na velha sede do Masp, na rua Sete de Abril.

    Na década seguinte, em 1966, o mesmo artista teve suas obras levadas ao pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza, despertando a ira de parte da crítica, que não concordava com sua visão de país. O episódio acabou abortando sua entrada definitiva na história da arte nacional, algo que o Masp tenta reparar agora com uma grande mostra.

    "Talvez nossa principal missão aqui seja cada vez mais forçar essas discussões", diz Rodrigo Moura, um dos organizadores da exposição. "É olhar um artista menos visto de um modo aberto e franco."

    Mesmo que esse discurso às vezes esbarre no paternalismo, o que salta aos olhos na mostra é a visão desmistificada, de exatidão quase fotográfica, desse pintor diante do magnetismo da metrópole.
    Prédios cada vez mais altos, viadutos e avenidas formando um mar de concreto dominam suas composições, muitas delas criadas a partir de fotografias e cartões-postais.

    Seus personagens, sempre sozinhos ou perdidos, parecem estar ali só para enfatizar a escala desumana da selva de pedra, pequenas figuras à sombra das construções, que forjam um retrato do anonimato da experiência urbana.

    Nas telas em que retrata festas e procissões, as figuras também parecem repetidas, como clones umas das outras. Uma avenida na hora do rush se torna um flagra dessa padronização, com uma fileira de fuscas de motoristas iguais em perfeito alinhamento, uma alusão talvez às vontades de modernização do país.

    "Ele era um artista atuando em plena forma", diz Fernando Oliva, também à frente da mostra. "De ingênuo, um artista desses não tem nada."

    A montagem, aliás, tenta refletir a geografia particular de Freitas. Suas visões da Paulista, do Masp e da Nove de Julho formam a linha de frente, enquanto mais adiante estão as vistas aéreas do centro da cidade, do viaduto Santa Ifigênia ao prédio do Banespa –a mesma visão que se desenrola diante do espectador atrás das vidraças do museu.

    AGOSTINHO BATISTA DE FREITAS
    QUANDO de ter. a dom., das 10h às 18h; qui., até 20h; até 9/4/2017
    ONDE Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3149-5959
    QUANTO R$ 30, grátis às terças

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