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    Semana na TV tem Jean-Luc Godard, David Lynch e Abbas Kiarostami

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    12/12/2016 07h30

    Segunda (14)

    É estranho mesmo: um musical no cemitério. Mas será por isso que "Sinfonia da Necrópole" (2016, 12 anos, Canal Brasil, 18h30) fracassou?

    Talvez a mistura do mórbido e do musical tenha terminado por não satisfazer de todo nem os fãs de terror. E menos ainda os dos musicais.

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    Filmes do Mês da Cultura Independente --- Cena do filme 'Sinfonia da Necrópole', de Juliana Rojas, que estará no Festival de Paulínia ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena do filme 'Sinfonia da Necrópole', de Juliana Rojas

    Pior ainda: Juliana Rojas, autora do filme, ainda adiciona a isso um elemento de humor bem negro, pois, ao falar da escassez de túmulos nos cemitérios (e da solução encontrada para o problema), é de especulação imobiliária na metrópole que se fala. Aplicada aos mortos, ela se torna um fenômeno ainda mais violento de desfiguração urbana.

    Já que o dia sugere o inusitado, que tal investir em "Ágil no Gatilho" (1955, 12 anos, TC Cult, 20h30), faroeste de Ray Nazarro, um desses artesãos talentosos que tiravam ouro de pedra. Aqui, ainda com Sterling Hayden, em baixa por conta do macarthismo, no papel central.

    Terça (13)

    David Lynch conhece como ninguém a arte do pesadelo. Ele o introduz nas cores, nos acontecimentos, no próprio andamento do filme, na tendência a lidar com mistérios que, em vez de se dissiparem, se adensam.

    "Veludo Azul" (1986, 14 anos, Arte1, 15h45) ainda não pertence ao que se poderia chamar de "grande fase" do diretor, que começaria com o seriado "Twin Peaks", em 1990, e se aprofundaria em "Estrada Perdida", sete anos depois.

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    Os atores Dennis Hopper e Isabella Rossellini, em cena do filme "Veludo Azul". (Foto: Divulgação) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Os atores Dennis Hopper e Isabella Rossellini, em cena do filme "Veludo Azul"

    Mas que já estava no caminho, estava. Pois tudo começa com aquela orelha achada num campo (ou gramado...), que depois estranhamente evolui para um clube noturno onde pontifica Isabella Rossellini.

    Nesse momento, Lynch parece mais preocupado em produzir a estranheza do que em tirar proveito dela. Ainda assim, a não desprezar.

    Ainda hoje, "Big Jato" (2016, 16 anos, Canal Brasil, 22h), de Claudio Assis.

    Quarta (14)

    Certas atrizes nascem para um papel. É bem o caso da Vanda de "A Pele de Vênus" (2013, 14 anos, TC Cult, 18h), que entra no teatro pedindo um papel na peça de Von Sacher Masoch que Thomas, diretor superintelectual, começa a montar.

    Ela chega fora de hora, é insultuosa, desfaz do texto. Mas que importa? Thomas logo vê que ela é a personagem: Vanda o fascina. Thomas a contrata e logo descobre que seu fascínio pela peça é bem mais que teórico.

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    Mathieu Amalric e Emmanuelle Seigner em cena de "A Pele de Vênus" Crédito Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Mathieu Amalric e Emmanuelle Seigner em cena de "A Pele de Vênus"

    Roman Polanski retoma seu recente hábito de trabalhar numa só locação (o teatro, no caso) e aqui apenas com um par de atores, o que ilumina a situação ao tornar mais claros os papéis de servo e senhora que representam e no qual se multiplicam: há a peça original (de Masoch), a peça representada (de David Ives), o diretor-ator, a atriz e os dois personagens nesse labirinto que é o palco.

    Quinta (15)

    O cinema francês é um terreno de mal-entendidos. Não é assim com Jean-Luc Godard e, entre tantos, seu "Adeus à Linguagem" (2014, 16 anos, Max, 2h35), seu costume de tudo questionar, de abordar a linguagem tendo por um dos protagonistas um cachorro...

    Ou podemos, num horário mais acessível (21h30), no canal TV 5 Monde, acompanhar o ciclo Louis de Funès, hoje com as aventuras de "Hibernatus" (1969, livre). Funès está para a França como Zé Trindade para o Brasil, Cantinflas para o México, Jerry Lewis para os EUA. Quer dizer: é o burlesco que melhor representa a nacionalidade.

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    Cred: Divulga Leg: cena do filme "Adeus à Linguagem" ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena do filme "Adeus à Linguagem"

    Por isso mesmo é amado ou odiado. E Funès tem boas razões para fazer o cara mal-humorado que o consagrou: é um senhor que morreu e foi hibernado em 1905 e acorda uns 60 anos depois. Funès aqui é dirigido por Edouard Molinaro. Esperemos por "Rabbi Jacó", a obra-prima de Funès.

    Sexta (16)

    A ideia central de "A Batalha da Maria Antonia" (2013, livre, Curta!, 20h e 0h) é de que a disputa não envolveu apenas duas facções de estudantes (os do Mackenzie contra os da Filosofia-USP) dispostos a mostrar quem era mais forte.

    Renato Tapajós, autor do filme, sustenta que ali, em 1968, disputava-se quem seriam "os donos da rua". Quem mandava no pedaço: a direita ou a esquerda.

    Não demoraria muito e viria o AI-5 para tirar qualquer dúvida a respeito. Para o pessoal da esquerda, porém, o episódio reveste-se de um caráter épico, de uma resistência tipo Masada ou 300 de Esparta.

    Excelente como documentação, o filme tem uma fraqueza: só vê o lado da esquerda. Seria interessante saber o que pensavam na época e o que pensam hoje os estudantes da direita. Ajudaria melhor a entender o mundo atual, na pior das hipóteses.

    Sábado (17)

    Convém dividir "O Mistério do Samba" (2008, livre, Curta!, 22h20), de Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor, em duas partes. A imagem é bem atrapalhada: mistura tudo em todos os estilos.

    Mas existe a pesquisa musical (levada basicamente por Marisa Monte) em torno da Velha Guarda da Portela. Ou seja, a parte musical é sublime. E a redescoberta de uma arte popular riquíssima vale todos os tropeços que a imagem possa dar.

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    "Um Alguém Apaixonado", de Abbas Kiarostami
    Cena do filme "Um Alguém Apaixonado", do diretor Abbas Kiarostami

    Pode-se ligar no canal um pouco antes, às 22h, para acompanhar o episódio da série "Grandes Cenas" (livre), hoje dedicada à célebre sequência na praia de "Os Cafajestes", de Ruy Guerra.

    Som e imagem, ideia e realização encontram-se perfeitamente em "Um Alguém Apaixonado" (2012, livre, Futura, 22h), a última obra-prima que legou ao público o iraniano Abbas Kiarostami (aqui trabalhando no Japão).

    Domingo (18)

    É à indústria do cinema pornô que nos conduz "Boogie Nights: Prazer sem Limites" (1997, 16 anos, TCM, 23h45). Ali pontificam tipos notáveis, como o diretor Jack Horner (Burt Reynolds), o jovem ator Dirk Digger (Mark Wahlberg), a Rollergirl (Heather Graham).

    O elenco pesado ainda tem a atriz pornô Amber Waves (Julianne Moore) e o produtor Little Bill (William H. Macy), entre outros, no filme que é, até hoje, disparado, o que de melhor Paul Thomas Anderson criou.

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    Cena do filme "Boogie Nights - Prazer sem Limites" com Julianne Moore e Mark Wahlberg. [FSP-Ilustrada-15.05.98]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
    Cena do filme "Boogie Nights - Prazer sem Limites", com Julianne Moore e Mark Wahlberg

    E o que criou, ou recriou aqui, foi o ambiente do pornô no momento (1977 a 1983) em que os filmes ainda eram rodados em negativo (depois veio o vídeo, depois o DVD...) e projetados em cinema.

    Sim, entrar em um ambiente que desconhecemos, nos tornarmos voyeurs do pornô, é em um primeiro momento divertido, por tudo que esse mundo tem de particular. Isso até descobrirmos o que esse particular tem de muito universal. Aí até melhora.

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