• Ilustrada

    Tuesday, 07-May-2024 08:19:26 -03

    Carlos Motta revê iconografia católica em chave sadomasoquista na Bienal

    SILAS MARTÍ
    ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

    11/12/2016 02h00

    Os gemidos atravessam as salas. Do lado de fora de uma espécie de labirinto –ou, como quer o artista, catacumba ou dark room– no subsolo do Malba, em Buenos Aires, os gritos de um homem agonizante se misturam ao canto de um soprano que implora por perdão antes da morte.

    Mas ela chega. Carlos Motta, atuando na própria obra, é o homem nu amarrado por carrascos e içado ao teto de uma capela barroca no filme que sintetiza sua mostra no museu argentino. Esgoelando, entre dor e prazer, ele parece dar corpo ali a mais uma ala do "museu homoerótico" que montou na Bienal de São Paulo, que agora chega ao fim.

    "Era importante que fosse eu mesmo", diz Motta. "É uma cena baseada numa pintura de Caravaggio, com a mesma cor das cordas e a posição das pessoas que me amarram. Queria recriar isso num contexto contemporâneo, algo sadomasoquista, que é o que eu faço à noite, fora da arte."

    Motta, artista colombiano radicado em Nova York que se tornou um dos nomes mais relevantes do cenário latino-americano, de fato vem fazendo de sua obra plástica uma reflexão sobre a vida –real– homossexual. No caso, sobre como a existência gay, até de ateus como ele, acaba sendo moldada pela influência da Igreja Católica.

    "Mesmo que as pessoas escolham viver longe dela, a sociedade está marcada por sua estrutura", diz ele. "A marginalização de outras identidades sexuais pela igreja afeta como vivemos. O sadomasoquismo, por exemplo, reage muito à iconografia católica, com práticas que lembram a crucificação ou flagelação."

    Nesse sentido, Motta revisita imagens do sofrimento bíblico para articular o que entende como "resistência homossexual". Em vez de atacar a igreja como um agressor externo, a ideia é sabotar seu vocabulário visual a partir de dentro, como um vírus que se espalha pelo corpo.

    Tanto que mostra, na entrada da sala no Malba, um filme em que um soprano travestido canta um réquiem, já se desculpando por seus pecados. "Esse é o fundamento da culpa católica", diz Motta. "Os efeitos e consequências da religião condicionam como enfrentamos a nossa culpa. É a ideia de um corpo invertido."

    COLONIZAÇÃO

    Na Bienal de São Paulo, Motta também mostra a elasticidade desse corpo. Em autorretratos, ele aparece transfigurado, lembrando às vezes um cadáver ou uma múmia.

    Essas fotografias ficam na antessala de um corredor escuro, onde pequenas vitrines mostram o que à distância parecem ser delicadas joias douradas, relíquias históricas. Mas elas são, na verdade, réplicas em miniatura de estatuetas pré-colombianas.

    Seus bonequinhos, todos homens, se masturbam, fazem sexo oral e anal –sem rastro de culpa e folheados a ouro, como que eternizados por séculos de história.

    "Isso tem a ver com a colonização do corpo que remonta à conquista da América", diz o artista, que tenta desestabilizar a interpretação dessas esculturas encaradas como "perversas, homoeróticas". "Não temos os recursos para entender como essas culturas viviam sua sexualidade, porque a leitura dessas peças sempre se deu num contexto de colonização e conquista."

    *

    32ª BIENAL DE SÃO PAULO
    QUANDO Termina neste domingo (11), das 9h às 19h
    ELENCO Leandro Soares, Sophie Charlotte, Fábio Porchat
    ONDE Pavilhão da Bienal, pq. Ibirapuera, portão 3, 32.bienal.org.br
    QUANTO Grátis

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024