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    CRÍTICA

    HQ é boa introdução ao universo de Gilbert Hernandez

    ÉRICO ASSIS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/12/2016 02h40

    É comum ouvir que os quadrinhos de Gilbert Hernandez se inspiram no realismo mágico, particularmente em Gabriel García Márquez. A grande narrativa de Hernandez se dá em torno da cidadezinha mexicana de Palomar, que seria a sua versão para a Macondo de "Cem Anos de Solidão". Nas duas obras, há as grandes linhagens familiares, histórias de amor e de disputas fervorosas, assim como intervenções da fantasia.

    O quadrinista, porém, sempre jurou que nem conhecia "Cem Anos" até leitores sugerirem as comparações. As coincidências viriam, quem sabe, das raízes latinas dos dois: García Márquez com sua Colômbia e Hernandez, apesar de californiano, com as histórias da família mexicana.

    Também ouvem-se comparações entre os quadrinhos de Palomar e as obras de Federico García Lorca e de Pedro Almodóvar. Tal como os espanhóis e seu sangue quente, Hernandez também é um autor com predileção para escrever (e desenhar) mulheres.

    Divulgação
    Imagem da HQ Sopa de Lagrimas de Gilbert Hernandez da editora Veneta Credito Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Imagem da HQ "Sopa de Lagrimas", de Gilbert Hernandez

    Nas primeiras páginas de "Sopa de Lágrimas", quem narra a história é Chelo, uma "bañadora" de músculos proeminentes. Ex-parteira, sua posição de autoridade moral de Palomar é tamanha que ela resolveu abandonar a carreira nos banhos para se autointitular xerife da cidade.

    Aí passamos a Luba e seus seios monumentais, icônicos e irônicos. Apresentada inicialmente com quatro filhas (são sete ao todo), ela vira, senão a personagem principal, o pivô em torno do qual se dão muitas das relações em Palomar: iniciações sexuais, brigas de casal, forasteiros que tentam entender o local e muitos, muitos homens perdidamente apaixonados.

    E há as várias crianças correndo pelas ruas de chão batido. Como Carmen, que declara um dos lemas da série: "Bem-vindos, meus amigos, a Palomar. Onde homens são homens e as mulheres precisam ter senso de humor."

    O quadrinista seguiu os moldes do que lia nos gibis Marvel, DC e Archie: não uma narrativa com início, meio e fim, mas um grande universo que serve de motor para uma sequência de histórias.

    Em 2016, Hernandez completou 35 anos de histórias de Palomar. Começou a publicar suas HQs em 1981 na revista independente "Love & Rockets", que criou com os irmãos Jaime e Mario –este abandonou as HQs, mas Jaime segue com seu universo, inspirado na cena punk de Los Angeles.

    "Sopa de Lágrimas" mostra o início deste universo. Mesmo que seja a introdução, ele já nos chega como um gibi dos X-Men nos anos 1980: lotado de personagens e de relações pregressas e complexas. Cabe até fazer uma cola para acompanhar os personagens, suas árvores genealógicas, casos e casamentos.

    Hernandez avança e volta no tempo sem deixar os referentes muito claros. Personagens criança podem aparecer na história seguinte já adultos. Luba tem várias linhas sob os olhos em uma história, mas é só em três ou quatro páginas da trama seguinte é que descobrimos tratar-se de um flashback da personagem.

    Nesta edição, misturam-se histórias que Hernandez publicou originalmente em outra ordem. Há enxertos feitos 20 anos após as primeiras HQs. A própria introdução do volume, narrada por Chelo, foi produzida anos depois das tramas que vêm a seguir.

    "Sopa de Lágrimas", assim, é apenas a introdução de um universo maior. É também a quarta tentativa de introduzir este universo no Brasil –depois de iniciativas de outras três editoras que não foram para a frente. Como Gilbert disse recentemente, "acho que 'Love & Rockets' é mais citada do que de fato lida". Está aí uma oportunidade de virar a frase.

    SOPA DE LÁGRIMAS
    AUTOR Gilbert Hernandez
    TRADUÇÃO Marina Della Valle
    EDITORA Veneta
    QUANTO R$ 79,90 (288 págs.)

    Edição impressa

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