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    Livro investiga discos voadores que povoaram a antiga imprensa brasileira

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    30/12/2016 02h00

    Ao que tudo indica, o pioneiro dos relatos sobre sexo entre humanos e ETs foi um jovem agricultor de São Francisco de Sales (MG).

    Durante o Carnaval de 1958, Antônio Villas Boas, então com 23 anos, foi até o Rio de Janeiro para se encontrar com o repórter João Martins, da revista "O Cruzeiro", e com o médico e ufólogo Olavo Teixeira Fontes.

    Contou que estava em sua propriedade quando foi arrastado para dentro de um objeto voador por estranhos seres baixinhos. Lá dentro, teria sido induzido a ter relações sexuais com uma loira de 1,33 m, olhos azuis, com pelos ruivos nas axilas e no púbis, que apontou para a própria barriga e para o céu após a conclusão da cópula.

    "Era isso o que queriam comigo, um bom reprodutor para melhorar a raça deles", concluiu Villas Boas.

    Divulgação
    Encarte de 'O Cruzeiro' em 1952, com fotos forjadas
    Encarte de 'O Cruzeiro' em 1952, com fotos forjadas

    Apesar do ineditismo em relação ao sexo interplanetário, histórias sobre alienígenas e discos voadores registradas no país têm muito em comum com o que acontecia no resto do mundo nos 1940 e 1950: mistério, paranoia típica da Guerra Fria e uma imprensa popular na qual sobrava criatividade e faltavam pudores jornalísticos.

    De fato, parece mesmo coisa de outro mundo o retrato da mídia nacional feito pelo historiador Rodolpho Gauthier Cardoso do Santos, do IFMG (Instituto Federal de Minas Gerais), no livro "A Invenção dos Discos Voadores: Guerra Fria, Imprensa e Ciência no Brasil (1947-1958)".

    A obra mostra que jornais e revistas da época não hesitavam em publicar relatos sobre objetos voadores não identificados nos quais não constavam nomes de testemunhas, raramente se davam ao trabalho de consultar a comunidade científica brasileira sobre o tema e, em alguns casos, forjaram mesmo imagens sensacionais de naves do espaço (é o caso da revista carioca "O Cruzeiro").

    O historiador conta que começou a se interessar pelo tema quando ainda era adolescente e vivia em Araraquara (interior de São Paulo).

    "Fiz parte de um desses milhares de pequenos grupos de ufologia que existem Brasil afora, os quais reúnem pessoas interessadas pelo assunto para trocar informações e organizam palestras. Quando cheguei à universidade, percebi que havia pouquíssimos trabalhos sobre o tema no Brasil. Quanto mais fui lendo, mais cético fui ficando", brinca Santos.

    A análise da imprensa brasileira de meados do século 20 mostra uma série de ondas de avistamentos de óvnis, muitas vezes desencadeadas por relatos publicados pela mídia dos EUA –país onde o termo "disco voador" foi cunhado em 1947.

    Nos primeiros anos do fenômeno, tanto nos EUA quanto por aqui, era mais comum que os supostos objetos fossem associados à corrida armamentista terráquea, desencadeada pela rivalidade entre americanos e soviéticos. As pessoas temiam novos tipos de armas atômicas ou aeronaves avançadíssimas dos russos (ou dos ianques).

    A preocupação com a guerra nuclear permaneceu, mas uma mutação cultural importante levou as pessoas a imaginar os supostos objetos extraterrestres como mensageiros da paz –os habitantes do espaço teriam detectado as explosões atômicas produzidas pelo Homo sapiens e teriam vindo para nos advertir sobre seu perigo.

    CONEXÃO ESPÍRITA?

    Um elemento que parece ter tornado os brasileiros mais receptivos à ideia de que os discos voadores eram embaixadores foi a presença relativamente forte do espiritismo no país.

    Médiuns brasileiros já tinham psicografado mensagens de supostos espíritos interplanetários antes mesmo das primeiras ondas de relatos sobre óvnis "" a ideia se encaixava na crença de que diferentes astros Cosmos afora poderiam abrigar seres com níveis variados de evolução espiritual.

    Depois que as aparições ganharam fama na imprensa, alguns best-sellers kardecistas voltaram ao tema, como "A Vida no Planeta Marte e os Discos Voadores", psicografado por Hercílio Maes, e "Os Exilados de Capela", de Edgard Armond.

    "Tudo indica que se trata de uma especificidade do Brasil", diz Santos. Até os não seguidores dessa crença sentiam necessidade de mencioná-la, como um certo Ílio de Almeida, ouvido em São Paulo pelo jornal "A Noite" em julho de 1947. "Eu não sou espírita, mas acredito que outros planetas sejam habitados", declarou ele.

    A INVENÇÃO DOS DISCOS VOADORES
    AUTOR Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos
    EDITORA Alameda
    QUANTO R$ 64 (270 págs.)

    Edição impressa

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