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    Reedição de 'O Supermacho' é leitura ideal para começar 2017

    ALVARO COSTA E SILVA
    COLUNISTA DA FOLHA

    07/01/2017 02h00

    Divulgação
    Ilustracoes de Andres Sandoval para o livro O Supermacho, de Alfred Jarry, da editora Ubu. Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Ilustração de Andrés Sandoval em 'O Supermacho'

    A frase de abertura é desconcertante: "Fazer amor é um ato sem importância, já que se pode repeti-lo indefinidamente".

    Quem a pronuncia para seus convidados no castelo de Lurance é André Marcueil, o protagonista de "O Supermacho". Logo nas primeiras páginas, à moda do romance realista, temos sua descrição: 30 anos, estatura média, pulsos finos e peludos, queixo arredondado, um tipo comum de homem –mas isso "o tornava extraordinário".

    Em seguida o rosto de Marcueil se transforma em "máscara de Carnaval: vidro, ouro e pelos", e começamos a perceber por que Alfred Jarry subintitulou sua obra de "Romance moderno".

    Nela vão vigorar as soluções imaginárias –como nos conceitos da "patafísica" elaborados pelo próprio Jarry. A ação se constrói à margem do realismo ingênuo, explorando os abismos do subconsciente. O relato sucede em diálogos que reforçam a marcação teatral das cenas e abre-se para depoimentos supostamente jornalísticos ou científicos, invocações mitológicas, jogos de palavras, poemas-surpresa, lirismo e, sobretudo, a busca do riso como elemento de provocação.

    Alfred Henri Jarry (1873-1907) escreveu aos 15 anos o primeiro esboço de "Ubu Rei", a famosa farsa que fez escândalo quando apresentada em 1896; a peça começa com palavra que nunca antes se ouvira num palco francês: "Merde!"

    Boêmio, mistificador, louco, Jarry antecipou o surrealismo, o dadaísmo, o futurismo, o Teatro do Absurdo e até o grouxo-marxismo. Era chamado de "Homem-Revólver", por gostar de se divertir dando tiros a torto e direito, e pelo seu temperamento artístico de combate.

    Um dia achou de mau gosto o cachimbo de um frequentador do café onde estava e atirou no objeto. A bala varou um espelho. No meio da confusão virou-se para uma mulher sentada a seu lado e disse: "Agora que o espelho se partiu, vamos conversar". É ou não é puro Grouxo?

    Publicado em 1902, "O Supermacho" ("Le Surmâle") narra eventos que se desenrolam em 1920, prevendo a influência da máquina para a época. É, também, um texto sobre a questão amorosa que não deixa de ser um delírio erótico. André Marcueil bate um recorde referido por Teofrasto de Eressos, filósofo da Grécia Antiga, ao consumar o ato sexual mais de 80 vezes seguidas.

    Na melhor cena do romance, o priápico Marcueil ingere um poderoso alimento (mescla de Emplasto de Brás Cubas e Biotônico Fontoura) e, em cima de uma bicicleta, derrota um trem e um quinteto de campeões de ciclismo numa corrida maluca das 10 mil milhas. Um super-homem pré-quadrinhos.

    O Supermacho
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    Aliás, na foto mais conhecida do autor, ele aparece andando de bicicleta. Adorava o veículo, a ponto de acompanhar o enterro de Mallarmé dando umas voltinhas.

    A edição bem cuidada da novata Ubu recupera a tradução de Paulo Leminski (com revisão de Maria Emília Bender), traz ilustrações de Andrés Sandoval, posfácio e notas da crítica francesa Annie Le Brun e um texto do filósofo italiano Giorgio Agamben. "Jarry é, antes de tudo, essa experiência da divindade do riso, do homem que, no riso, transcende a si mesmo numa infinita e mortal proximidade com o divino", escreve Agamben.

    Um livro ideal para começar 2017.

    O SUPERMACHO
    AUTOR: ALFRED JARRY
    TRADUÇÃO: PAULO LEMINSKI
    EDITORA: UBU
    QUANTO: R$ 49,90 (176 PÁGS.)

    Edição impressa

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