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    Crítica

    Em 'Linha Única', João Carrascoza se aventura na microficção

    LEONARDO GANDOLFI
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    10/01/2017 02h06

    Nos últimos trabalhos, João Anzanello Carrascoza se afastou das formas breves e entrou no território do romance. Sabendo da elasticidade do gênero, realizou um trabalho inquieto e o resultado foram os livros "Aos 7 e aos 40" e "Caderno de um Ausente" em que ele verticaliza sua já intensa experiência em torno dos afetos.

    Agora, ao voltar às narrativas curtas, Carrascoza o faz com igual inquietude. Porém –mais do que propriamente um regresso ao conto– o autor se aventura no campo movediço da chamada microficção.

    "Linha Única" é um título descritivo, os textos não ultrapassam os 80 caracteres. Se, por um lado, as referências dessa brevidade podem ser o haicai, o poema-minuto ou mesmo alguns contos de Dalton Trevisan; por outro, é impossível ignorar a experiência de escrita pós-Twitter.

    Divulgação
    contos do livro linha unica, de joao anzanello carrascoza credito divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Um dos poemas visuais publicados no livro 'Linha Única'

    Assim, comparece ao livro o caráter veloz e elíptico de um estilo, como se dizia antigamente, telegráfico, caro a certo Oswald de Andrade. Mas –numa época em que textos são compartilhados sem serem lidos– não seria estranho se tal formato também possibilitasse pílulas de sabedoria descartável, facilmente viralizadas na internet.

    Ao jogar com o pendor motivacional que esse tipo de escrita pode suscitar, Carrascoza transforma-o, enviando mensagens pouco confortantes. É o caso de "Certeza", microtexto em que se lê apenas: "Viver dói até o fim".

    Por falar em dor, no livro, as feridas familiares estão concentradas. Por exemplo, o microconto "Enterro do Pai" (em que lemos: "O dia mais seco dos seus olhos") antecipa a narrativa chamada "Filho": "Quando viu, tinha um homem à sua frente". Esta por sua vez abre portas para outro texto cujo título é "Avô": "O cheiro do passado no pijama sobre a cama".

    De repente, com três linhas, fica-se diante de três gerações em que morte e nascimento se entrelaçam imediatamente. De forma curiosa, tal contiguidade é também temática, pois, unida por perdas, uma família se reúne –filho, pai, avô– ao se aproximarem as tais linhas em que eles são protagonistas.

    Entre os temas, são encontradas ainda referências ao próprio formato da hiperbrevidade. Há menções ao dinossauro de Augusto Monterroso –protagonista da mais famosa das narrativas curtíssimas– e à rã de Matsuo Bashô. A partir desta, Carrascoza escreve um de seus poucos textos com mais de uma frase: "Uma rã salta, chuá, no lago. Bashô respinga em mim".

    Linha Única
    João Anzanello Carrascoza
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    Mas o livro não seria o que é se o autor não se aproximasse das linguagens da poesia visual e da publicidade. É assim que grande parte de suas microficções faz uso massivo do branco da página e da espacialização dos caracteres.

    Quando desenhada, a "linha única" de Carrascoza muitas vezes almeja dizer graficamente o que diz textualmente. Em outros momentos, porém, cria uma tensão mais fértil em que o verbal se atrita com o visual. Isso acontece, por exemplo, no texto que encerra o livro. Ele se chama "Pobreza" e diz o seguinte: "A vida inteira numa única / linha".

    LEONARDO GANDOLFI é professor de literatura portuguesa na Unifesp e autor de "Escala Richter" (2015).

    *

    LINHA ÚNICA
    AUTOR João Anzanello Carrascoza
    EDITORA Sesi-SP
    QUANTO: R$ 36 (160 págs.)

    Edição impressa

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