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    Georgette Fadel valoriza pensamento crítico na peça teatral 'Afinação I'

    VALMIR SANTOS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/01/2017 02h25

    Após concluir "A Santa Joana dos Matadouros", no início dos anos 1930, Bertolt Brecht (1898-1956) refletiu sobre a atitude do espectador diante de uma peça não aristotélica, dispensada de unidades de tempo, lugar e ação. O dramaturgo alemão esperava do público "a postura de quem está decidido a aprender".

    Idêntico apriorismo conduz Georgette Fadel ao destilar consciência crítica no solo "Afinação I". Cofundadora da Cia. São Jorge de Variedades, a atriz, diretora e dramaturga resvala no didatismo e triunfa sobre ele com eloquência. Inclusive, ao incorporar recursos de aula expositiva com direito a giz, lousa e kit prancheta/papel/caneta distribuído no início.

    Uma aula antiespetacular, pode-se dizer. A encenação austera é assumidamente inversa à abundância de ideias sobre os pesos da razão e do sentimento na balança do bom senso em baixa na vida cotidiana. A experiência coloca o pensamento prazerosamente em movimento.

    Julia Zakia/Divulgação
    A atriz e diretora Georgette Fadel na peça 'Afinação I
    A atriz e diretora Georgette Fadel na peça 'Afinação I'

    O trabalho da atuante é apoiado nos temperamentos do violoncelo que executa, nas pausas de inflexão, e da luz coadjuvante desenhada pela cineasta Julia Zakia.

    Exímia na mediação da presença de si, da narradora, das personagens e da plateia de "aprendizes" com a qual interage com argúcia e ardente paciência, Fadel usa do mesmo expediente para interpor duas vozes convictas do "gosto pelo outro": a escritora e ativista francesa Simone Weil (1909-1943) e a brechtiana tenente Joana Dark, uma boina preta do Exército da Salvação no embate de operários com a indústria da carne na Chicago pós-quebra da Bolsa de NY.

    Os escritos de Weil ganham espaço candente com temas religioso, político e filosófico. "Afinação I" expõe os critérios objetivos com os quais ela analisa a condição humana e associa o pensamento à prática, a luta à compaixão. As circunstâncias pessoais de quem pisou o chão da fábrica, resistiu ao nazismo e esteve no front da Guerra Civil Espanhola, por exemplo, tornam seu lugar de fala excepcional.

    Projeto claro quanto aos argumentos de Weil em sua cruzada pela verdade, como a de que a ética e a liberdade caem bem ao coração, porém "o sentimento aprisiona". Difícil apelar à racionalidade quando, minutos depois, jorra a imagem narrada de uma criança impelida ao suicídio diante da realidade que a oprime.

    O conteúdo é denso –atenta-se ainda a um capítulo de "O Capital", de Karl Marx–, mas Fadel não lança mão da linguagem e da assertividade lírica para valorizar o pensamento crítico sem doutriná-lo.

    AFINAÇÃO I
    QUANDO ter. e qua., 21h30; até 1º/2
    ONDE Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000
    QUANTO R$ 6 a R$ 20; 14 anos

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