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    crítica

    Relato sobre o vício, quadrinho traz o ápice de Andrea Pazienza

    ÉRICO ASSIS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    01/02/2017 02h20 - Atualizado às 17h38
    Erramos: esse conteúdo foi alterado

    OS ÚLTIMOS DIAS DE POMPEO
    AUTOR Andrea Pazienza
    TRADUTOR Michele Vartuli
    EDITORA Veneta
    QUANTO R$ 74,90 (136 págs.)

    É fácil o leitor perder o nexo entre as cenas de "Os Últimos Dias de Pompeo", álbum considerado ápice na obra do italiano Andrea Pazienza (1956-1988). Difícil entender qual estrutura está amarrando tudo, se é que tal estrutura existe.

    Cada cena dura poucas páginas, ou se restringe a uma folha só. O grande arco narrativo, aparentemente, é o do personagem titular e sua relação com o vício em heroína em meio a andanças pela cidade, por estradas e por seus pensamentos. O fim, como o título anuncia, é trágico.

    Antes mesmo de a HQ iniciar, o prefácio de Marina Comandini Pazienza apresenta uma chave de leitura: o disparate. "Muitas folhas soltas", "relato instintivo de uma experiência pessoal", "apontamentos", discorre a esposa do autor. A impressão é de que os quadrinhos a seguir estão dispostos de maneira aleatória.

    Mas há outras chaves. A segunda seria autobiográfica. Tal qual seu personagem, o autor teve problemas com drogas. Morreu de overdose de heroína aos 32 anos, dois anos depois de publicar este livro.

    Reprodução
     Página da HQ "Os Últimos Dias de Pompeo", de Andrea Pazienza, editora Veneta Divuilgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Página da HQ 'Os Últimos Dias de Pompeo', de Andrea Pazienza

    A leitura mais pungente talvez seja a que entenda a narrativa como retrato do vício: a relação de desprezo/necessidade com os "picos", a observação da desgraça de outros viciados, a contradição no esforço para conseguir a droga e seu efeito degradante. Pensado como autobiografia, o diário de viciado fica mais forte ao mostrar Pazienza "se" matando na HQ, antes de morrer de fato.

    Terceira chave de leitura: a experimental. Pazienza estreou nos quadrinhos em fins da década de 1970 já com trabalho fortemente autoral. Nos anos 1980, participou de várias antologias do underground italiano, notadamente a "Frigidaire". Suas HQs remetiam a Robert Crumb e outras figuras, satirizavam a obsessão de seu país pelos gibis Disney, faziam crítica social e política.

    Veloz e imensamente produtivo, Pazienza desenhava, pintava e ilustrava para publicidade, cinema e capas de disco. Colaborou com dramaturgos, dava aulas. Quando chegou a "Últimos Dias", tinha apenas nove anos de carreira, mas já era um dos artistas gráficos de maior renome na Itália. Por isso, quem sabe, resolveu sair dos seus moldes tradicionais para explorar.

    Além da distância de três décadas, a obra chega ao Brasil sem essa referência da carreira pregressa de Pazienza (que só teve pequenas HQs publicadas aqui na revista "Animal", nos anos 1980/90).

    O nome de Pazienza anda em destaque. Em comemoração aos 60 anos de seu nascimento, saíram recentemente na Itália os vinte volumes de "Tutto Pazienza". A Fantagraphics vai publicá-lo nos EUA pela primeira vez este ano.

    Fica a esperança de que a chegada de sua última e mais complexa obra ao Brasil seja prenúncio de contato com o restante da carreira do celebrado europeu.

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