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    Mostra audiovisual no Galpão VB retrata a natureza em convulsão

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    02/02/2017 02h11

    Numa pedreira, à noite, tratores rondam as rochas em movimentos nervosos. Lembram bichos mecânicos dotados de certa maldade. O filme de Eder Santos reforça essa impressão com sobressaltos da imagem, como se o negativo engastasse no projetor.

    Esse é o momento tenso da obra, a paisagem retratada como água fervente ou a pele de um corpo em convulsão. Um tanto como a pele do filme de Luiz Roque, que sobrepõe folhas de ouro aos seios de uma mulher e unhas afiadas deslizando sobre as costas dela.

    Ou a figura esguia de um operário dourando ao sol no curta de Edgard Navarro. Sua releitura de "Fazenda Modelo", livro de Chico Buarque, mostra o rapaz correndo as mãos pelo corpo, explorando um tal "urbanismo das veias".

    Divulgação
    Obras que estao na mostra 'Resistir Reexistir', no Galpao VB. Foto Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena de 'Concerto para Clorofila', trabalho de Cao Guimarães, exibido na mesma exposição

    Nos filmes e vídeos de "Resistir, Reexistir", exposição coletiva agora no Galpão VB, a natureza selvagem e as selvas de pedra das grandes cidades são retratadas como território em carne viva, espaços de disputa e conflito.

    Da floresta amazônica aos subúrbios concretados do interior dos Estados Unidos, os artistas ali exploram brigas por moradia, a extração predatória de minério e os estragos que aberturas de estradas causaram nas reservas indígenas.

    "Nesses tempos tenebrosos, a gente pensou em amplificar o espaço da dissonância", diz Gabriel Bogossian, que organiza a mostra. "Essas imagens mostram disputas em torno do espaço num momento em que a perspectiva sobre a cidade é muito restritiva, medíocre."

    Ele ataca, no caso, a camisa de força que tempos ultraconservadores impõem sobre os ambientes construídos mas também o impacto dessas políticas sobre espaços selvagens, às margens das grandes metrópoles, tratando floresta e asfalto em pé de igualdade.

    Tudo nesses documentários às avessas, aliás, parece fazer parte de uma mesma natureza trêmula, escorregadia, líquida como os reflexos das copas das árvores na superfície turva de um lago.

    Num filme rodado num parque, Cao Guimarães constrói quase abstrações a partir de flagras dessa vegetação movediça. Marcellvs L. cria a mesma textura instável retratando um andarilho no acostamento de uma estrada, sua figura frágil se desfazendo nas ondas de calor sobre o asfalto.

    Outras estradas surgem numa série de obras da exposição, que se esforça para mostrar que tudo está interligado e em trânsito, no caso, rumo a um destino violento e incerto.

    Esse descompasso temporal ancora a visão de Andrés Denegri das vias letárgicas de um povoado no deserto boliviano de Uyuni. O artista argentino filmou as mesmas cenas em película e vídeo digital, sobrepondo as sequências rodadas em velocidades distintas ao som da discussão de um casal entediado.

    O que seria um imenso platô perdido no tempo ganha uma vibração artificial, que embaralha realidade e ficção, ou passado, presente e futuro.

    ACRÓPOLE MODERNISTA

    Lançando um olhar sobre a exploração econômica da paisagem, Ana Vaz também cria uma fantasia ao visitar o mesmo universo do filme de Eder Santos, escaneando pedreiras e seus operários.

    Mas, mesmo com certa pretensão documental, sua obra está longe de ser um registro cru das minas. De repente, vigas e pilares com a mesma textura do mármore extraído aparecem no horizonte, uma espécie de Acrópole modernista brotando da terra.

    Vaz parece aludir ali a uma violência intrínseca a movimentos de modernização, que atropelam a memória em nome de uma beleza imaginada para um futuro utópico.

    É um trabalho que encontra eco no registro da demolição de um conjunto habitacional modernista, assunto da obra do colombiano Luis F. Ramírez Celis na sala ao lado –o flagra de um futuro possível que vira pó em instantes.

    *

    RESISTIR, REEXISTIR
    QUANDO de ter. a sáb., das 12h às 18h; até 18/3
    ONDE Galpão VB, av. Imp. Leopoldina, 1.150, tel. (11) 3645-0516
    QUANTO grátis

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