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    'Mentor' de Fernanda Montenegro, diretor Gianni Ratto ganha mostra

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    DE SÃO PAULO

    07/02/2017 02h00

    Gianni Ratto (1916-2005) era uma figura discreta. Diretor, cenógrafo e figurinista italiano que teve importante papel no teatro brasileiro a partir dos anos 1950, ele dizia preferir projetar o futuro a lembrar do seu passado.

    Na introdução da sua autobiografia "A Mochila do Mascate", escrita já no alto de seus 80 anos e relançada no fim do ano passado pela editora Bem-Te-Vi (R$ 110, 328 págs.) em celebração do seu centenário, ele escreve:

    "Eu sei que minha mochila desperta curiosidade, mas não mostrarei o que ela contém: talvez até minta dizendo que não tenho aquele artigo, embora eu sobreviva com a venda do pouco que tenho: não sei, vou pensar no assunto".

    Pelo espírito reservado do diretor, adentrou-se "um lado de mistério" nos quase dois anos de pesquisa para a mostra "Gianni Ratto - 100 Anos", que abre nesta terça (7), diz a historiadora de arte Elisa Byington. "Não sabíamos o que iríamos achar", conta ela, que assina a curadoria da exposição ao lado da designer Antonia Ratto, filha do encenador.

    Escarafunchando arquivos na Itália e no Brasil, elas reuniram cerca de 500 itens (muitos desconhecidos aqui), entre fotos, croquis, materiais em vídeos e em áudios.

    Estão dispostos no hall do Sesc Consolação, onde foi criada uma caixa cênica, como se o público entrasse nos bastidores do palco. Os itens ficam expostos em painéis que descem do teto por cordas, presas em roldanas, como cenários de um espetáculo.

    Ali estão estudos e desenhos que fez para o Piccolo Teatro, em Milão, no qual criava perspectivas e ilusões para cenários do palco diminuto.

    "Ele joga muito com a percepção do espaço. Mexe com a imaginação", comenta Byington. "Você não pega um desenho, um rabisco, que não esteja todo em escala, que não tenha um estudo sério."

    Também há réplicas de 20 croquis dos figurinos para o balé "Pulcinella" (1950), de Stravinski, um dos muitos trabalhos que fez no teatro Scala de Milão –os originais só têm permissão para serem expostos em museus.

    Com o passar dos anos, vê-se que Ratto deixa o ideal de beleza clássico italiano para um ideal de síntese. "Ele vai cada vez mais em direção ao palco vazio, fazendo cenário só com luz", afirma Antonia.

    PUREZA ERÓTICA

    De seus anos no Brasil, para onde veio em 1954 a convite da atriz Maria Della Costa, mostra-se também seu lado diretor, papel que não desempenhou no país de origem.

    Maurício Paroni de Castro, que lecionou no Piccolo nos anos 1980, conta que Ratto certo dia lhe disse: "Fui para o Brasil a convite, mas na verdade decidi procurar ali uma nova pureza teatral erótica".

    No país, dirigiu Fernanda Montenegro no primeiro papel de destaque da atriz ("A Moratória", de Jorge de Andrade, em 1955) e, com ela, Fernando Torres, Ítalo Rossi e Sérgio Britto, fundou o Teatro dos Sete, montando peças como "O Mambembe" (1959), de Arthur de Azevedo.

    "Gianni para mim foi um formador, um estruturador de uma vocação incontrolável", lembra Fernanda à Folha. "Nenhum trabalho era feito sem base intelectual."

    "Da geração dele, foi o que mais investiu em dramaturgia brasileira", afirma o dramaturgo e diretor Aimar Labaki, que teve seu texto "Vermouth" (1998) dirigido por Ratto.

    Na mostra, o período é registrado em fotos, estudos, maquetes que podem ser manipuladas pelo público, depoimentos e gravações da época, como Bibi Ferreira cantando na primeira encenação de "Gota d'Água", de Paulo Pontes e Chico Buarque, dirigida por Ratto em 1975. Ou o croqui que fez para o cenário do primeiro "O Beijo no Asfalto" (1961), de Nelson Rodrigues.

    Também percebem-se nos registros seus detalhados estudos, suas referências e marcações precisas de cena.

    "Ele sabia que o estava fazendo. Quase nunca tínhamos que voltar atrás nas coisas que ele pedia", conta o ator Renato Borghi, dirigido por Ratto em peças como "O Amante de Mme. Vidal" (1988), de Louis Verneuil. "Era um diretor completo. Eu relaxava no personagem."

    Da época do regime militar, da qual muito material se perdeu, foi criada uma instalação com imagens e vídeos sobre o período. Ao fim do percurso, há escritos de Ratto e projeções do documentário "A Mochila do Mascate" (2005), dirigido por Gabriela Greeb. Para março ainda estão previstos debates coordenados pelo crítico Welington Andrade.

    Colaborou GUILHERME GENESTRETI

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    GIANNI RATTO - 100 ANOS
    QUANDO abertura na ter. (7), às 20h; de seg. a sex., das 11h30 às 21h30; sáb. e feriados, das 10h às 18h30; até 29/4
    ONDE Sesc Consolação, r. Doutor Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
    QUANTO grátis
    CLASSIFICAÇÃO livre

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    raio-x

    GIANNI RATTO

    Nascimento 27/8/1916, em Milão

    Formação Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma

    Trabalhos Foi cenógrafo do Piccolo Teatro e do Scala de Milão. No Brasil a partir de 1954, dirige "A Moratória", de Jorge de Andrade, com Fernanda Montenegro, e ajuda a fundar o Teatro dos Sete

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