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    'A Richard's estava perdendo sua cara', diz Ricardo Ferreira, de volta à marca

    PEDRO DINIZ
    COLUNISTA DA FOLHA

    07/02/2017 02h20

    O mar não está para peixe no cenário da moda brasileira. Nem para o grupo Inbrands, que, na esteira de uma crise sem precedentes no consumo de vestuário, engoliu água salgada suficiente para perder, segundo último relatório da companhia, mais de 7% de receita nos primeiros nove meses de 2016. Os ventos, porém, indicam mudança na maré.

    Afastado do comando da Richard's desde 2011, quando trocou a marca por ações do conglomerado de moda paulista detentor das etiquetas Ellus, Bobstore, VR e Alexandre Herchcovitch, o carioca Ricardo Ferreira, 72, está de volta à cadeira de chefe da grife que fundou em 1974.

    Desde dezembro, mesmo mês em que gestores da Vinci Partners fecharam acordo com o conselho de administração do grupo para vender sua parte no negócio, o empresário trabalha para "recuperar a essência da grife", que "perdeu um pouco do seu propósito, tinha muita regra e estava confusa", como define em entrevista à Folha.

    Ricardo Borges/Folhapress
    Ricardo Ferreira, membro do conselho da InBrands, grupo dono de Ellus, Herchcovitch e Richard's
    Ricardo Ferreira, membro do conselho da InBrands, grupo dono de Ellus, Herchcovitch e Richard's

    Propósito, palavra perseguida por marcas com altos custos de publicidade, foi sempre a base do sucesso da Richard's, grife seminal do estilo ensolarado pelo qual o Rio de Janeiro é conhecido.

    De viagens a bordo de um veleiro pelo mediterrâneo, Ferreira importou a imagem de roupa leve, algumas feitas de linho e quase sempre com estética praiana, e a misturou com o visual de natureza típica dos trópicos.
    O ambiente da pesca submarina -Ferreira foi campeão mundial na modalidade- virou decoração da primeira loja, fincada no miolo da então desconhecida Ipanema.

    Barcos, madeira, vegetação. Todas as imagens de um Rio idealizado pelo mundo e amado por seus habitantes se encontravam no endereço, detalhes que, juntos, fizeram da marca sucesso imediato.

    É essa identificação com o cliente, que espera uma "roupa para o fim de semana, para passeios de barco ou pela praia, e não um terno social para o escritório", a missão do "novo" funcionário, que, além da Richard's, assume a responsabilidade de desenvolver a Salinas, marca de moda praia do grupo que também tem sede administrativa na capital fluminense.

    Por telefone, Ferreira também explicou o novo momento da InBrands tutela sua e de Nelson Alvarenga, fundador da Ellus e diretor do grupo. Ambos querem estender o resgate de identidade da Richard's às outras marcas do conglomerado. Leia a seguir trechos da entrevista.

    Folha - Quando vendeu a Richard's, a ideia era mesmo parar de trabalhar?
    Ricardo Ferreira - Era. Eu vendi e troquei por ações, continuei apenas como sócio. Pensei em passar a história adiante, mas como não tinha sucessor, achei uma boa ideia. A questão é que a Richard's é quase um ente da família, então participava das reuniões do conselho, lutando para a companhia ir bem. Hoje, me vejo mais como InBrands do que Richard's.

    E por que voltou para o escritório?
    Porque a marca precisa de um reforço, que eu esteja mais perto para verificar quais são seus erros, o que eu deixei faltar. Não é tão simples de definir, mas é, basicamente, combater o medo das pessoas que trabalham dentro dela.

    Quando se trabalha com criatividade, o ideal é nos guiarmos por mais valores e menos regras, deixar que as pessoas expressarem suas paixões. Isso pode parecer banal, mas, no fim, diferencia o que é bom daquilo que é muito melhor.

    Quais são os maiores erros das marcas de moda hoje?
    O erro é só fazer o que vende, tentar produzir tudo para todo mundo. Você tem que adotar o que faz sentido. Quando vejo o [o estilista americano] Ralph Lauren, você vê a cara dele em tudo o que está nas lojas. O [estilisa britânico] Paul Smith é a mesma coisa.

    De alguma forma, a Richard's estava perdendo sua cara, um pouco do propósito, tinha muita regra, estava confusa. As perguntas das pessoas eram sempre "pode isso?", "pode aquilo?". Não acredito tanto em regras, em hierarquia, mas em identidade. A melhor maneira de fazer é ser.

    As marcas que têm uma crença são sempre interessantes. Você veja a Osklen, aquela identidade parece parte do que é o Oskar [Metsavaht, fundador da grife]. Entendo que, hoje, não dá pra vender só roupa. Todos os sentidos têm de estar na loja, na publicidade, no produto.

    Prepara uma nova Richard's?
    Não uma nova, mas uma que dê uma ideia de continuidade do que ela era em sua fundação. Podemos falar de mais qualidade, por exemplo, mas nada "over", não espere manifestações de moda. Haverá, sim, um equilíbrio estético. Você não vai encontrar uma calça rasgada da moda. Não tem nada a ver com ela, mas se um dia tiver, estará dentro de um código próprio. Se alguém me perguntar agora "você quer atender ao consumidor formal?", direi "estou abrindo mão disso agora".

    Essa pressão tem a ver com o fato de a Inbrands ter de responder financeiramente aos investidores?
    Gerir um grupo é uma questão delicada. Uma coisa é ter uma grife, outra é tocar dez ao mesmo tempo. Isso vira uma federação de marcas, que fatura milhões. Não é algo trivial, então acho que os investidores deixaram um legado espetacular nesse sentido, um olhar importante de "back office", como chamam a realização dos processos.

    A questão toda é que a Inbrands é um negócio de gente, criamos valor para as pessoas e nosso propósito não pode ser ganhar dinheiro em primeiro lugar, porque, apesar de parecer bom senso comprar carne barata para cortar desperdícios, às vezes esse bom senso não está alinhado com o que as pessoas querem.

    Pode explicar melhor?
    É uma questão de empatia, entender o que as pessoas vão amar sem ter certeza de que vão amar. Para eu ter sucesso nisso, preciso estar em sintonia com os movimentos dessa tribo. Um grupo financeiro às vezes não entende a importância desse troço. Tenta falar sobre empatia numa reunião de conselho para você ver.

    O sr. agora comanda a Inbrands no Rio, e Nelson Alvarenga, em São Paulo. Quanto tempo a partir deste momento a Inbrands tem para recuperar o fôlego das marcas?
    Projetamos algo em torno de dois anos. A recuperação deve vir logo porque estamos agindo, procurando vazão para estoques enormes guardados e verificando o canal de distribuição mais adequado, se é "outlet", "multimarca" ou "loja própria". O clima é um misto de apreensão e de animação com esses novos passos, de focar menos no volume e mais na qualidade das peças.

    Qualidade significa preços mais altos também, certo?
    Eventualmente alguma coisa ou outra ficará mais cara. Se você compra um cashmere, não espere pagar o mesmo valor pago por um tecido de qualidade inferior. O que estamos fazendo é ajustando nossos processos internos. Vamos criar 100 peças para escolher as 20 melhores, e não como até pouco tempo, quando fazíamos 100 e colocávamos tudo para vender. A matemática agora é outra.

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