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    Depoimento

    Grande pesquisador, Todorov deu conferências sábias e generosas

    LEYLA PERRONE-MOISÉS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    07/02/2017 16h08

    Arquivo Pessoal
    Tzvetan Todorov, Leyla Perrone-Moisés e Haroldo de Campos, em fotos dos anos 1980
    O filósofo búlgaro Tzvetan Todorov (à esq.), Leyla Perrone-Moisés e Haroldo de Campos, em Paris nos anos 1980

    Conheci Todorov Paris, em dezembro de 1968, por intermédio de Haroldo de Campos.

    Ele foi ao meu encontro de bicicleta. O então jovem Tzvetan, magricela de óculos e cabeleira desgrenhada, era pessoalmente um misto de roqueiro e erudito.

    Na época, ele me disse que seu ideal de vida era ser o pesquisador de um período muito breve da Idade Média e ter uma grande família, com muitos filhos.

    Em 1969, traduzi seu livro "As Estruturas Narrativas" e o trouxe a São Paulo, pela USP.

    Sua estadia se prolongou no Rio de Janeiro, onde eu o acompanhei. Era o auge do estruturalismo e do interesse pelos formalistas russos, que ele divulgara na França.

    Ficamos amigos, fui sua hóspede em Paris, e ele publicou meu primeiro artigo na revista "Poétique", que ele criou e dirigia.

    Ao longo dos anos, nos vimos muitas vezes. Quando morei em Paris, ele foi à minha casa com Roland Barthes, de quem foi orientando.

    Com Martine, sua primeira mulher, visitamos juntos um amigo no Marrocos e outro na Dordogne.

    Reencontramo-nos nos EUA em 1980, e ele foi de grande ajuda para minha pesquisa no livro "Altas Literaturas".
    Logo depois, minha filha Beatriz traduziu seu "A Conquista da América", um belíssimo livro.

    Aos poucos, à medida que ele se afastava dos estudos propriamente literários para se tornar moralista, afastamo-nos um pouco.

    A última vez que o vi foi quando ele veio a São Paulo em 2012. Almoçamos com Luiz Schwarcz e outros editores da Companhia das Letras.

    Na tarde daquele dia, fomos conversar num café da Praça Buenos Aires. Não falamos de literatura, falamos de nossas famílias e filhos.
    Nossa amizade estava intacta.

    A meu ver, seus melhores livros são "Teoria dos Símbolos" e "Os Gêneros do Discurso", densos de erudição e brilhantes na formulação.

    Realizou seus dois desejos: foi um grande pesquisador (não da Idade Média), teve filhos e netos.

    Não pretendia ser uma estrela internacional mas o foi, em conferências sábias e generosas.

    Estou muito triste por sua morte.

    LEYLA PERRONE-MOISÉS é crítica literária e professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

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