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    Crítica

    Diário de homem em asilo pinta velhice distante da realidade

    JOCA REINERS TERRON
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    11/02/2017 02h12

    TENTATIVAS DE FAZER ALGO DA VIDA (regular)
    QUANTO R$ 49,90 (368 PÁGS.)
    AUTOR Hendrik Groen
    TRADUÇÃO Mariângela Guimarães

    Na cena final da adaptação cinematográfica sueca de "Os Homens que Não Amavam as Mulheres" (2009) baseada no livro de Stieg Larsson, ocorre algo que causa estranhamento, ao menos em plateias subdesenvolvidas.

    O herói Mikael Blomkvist aguarda Lisbeth Salander em uma sala cheia de plantas verdejantes. São necessários 5 minutos para se perceber que aquele local aprazível é uma prisão.

    Com "Tentativas de Fazer Algo da Vida", do holandês Hendrik Groen (um pseudônimo), que reproduz o diário escrito pelo próprio Groen, 83, a impressão de ler uma experiência inverídica não se deve ao fato de o verdadeiro autor ser desconhecido (afinal, tudo indica que o livro seja ficção), mas ao efeito –similar àquele despertado pela cena com Blomkvist–, irreal, fajuto, como queiram, sugerido pelo conforto desmesurado da casa de repouso onde o personagem se encontra "hospedado".

    Nesse sentido, é conveniente falar do efeito de realidade que incongruências socioeconômicas de realidades distintas possam provocar em contos e romances.

    Groen exige de seu leitor –desgraçadamente brasileiro e classe média, no caso deste resenhista– uma razoável capacidade de abstração.

    Primeiro, para que se deduza, das agruras reclamadas por Groen e seus amigos do clube Tô-velho-mas-não-tô-morto, asilados em área tão ajardinada quanto o herói da série de Larsson, qualquer urgência ou desespero que soe comovente. É difícil: para se divertir, os tais velhotes andam em "scooters", comem bolos e enchem a cara.

    Segundo, para enxergar nessa gangue transviada da terceira idade os infortúnios da velhice real, aquela tão desmazelada que vira e mexe o dr. Drauzio aponta em sua coluna neste caderno.

    A condenação na velhice a regressar à dependência física e psíquica e ao cuidado de terceiros parece estar bem democratizada entre as classes sociais. A diferença óbvia–ao menos é o que o diário de Groen demonstra– é que ao chegar nessa fase nem todo velho ganha brinquedos.

    Tentativas De Fazer Algo Da Vida
    Hendrik Groen
    l
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    O livro faz força para fazer graça, o que não é nada engraçado.

    As partes mais escatológicas, porém, permitem imaginar o que um autor verdadeiramente divertido como Reinaldo Moraes poderia fazer com semelhante material.

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