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    Crítica

    Obra sobre segregação racial brilha na abordagem de tema muito explorado

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    16/02/2017 02h06

    Divulgação
    Cena do documentário "Eu Não Sou Seu Negro"
    Cena do documentário "Eu Não Sou Seu Negro"

    A disputa na categoria documentário na entrega do Oscar deste ano é aquela em que soou mais alto o mea-culpa da Academia de Hollywood em resposta às críticas pela ausência de diversidade étnica entre os indicados no ano passado.

    Três das cinco produções que concorrem em 2017 retratam aspectos da segregação racial nos Estados Unidos. Se o tema não é novo, o modo de abordá-lo tem de fazer a diferença. É o que "Eu Não Sou Seu Negro" consegue com brilho.

    O documentário dirigido pelo haitiano Raoul Peck constrói seu impacto com múltiplos recursos fortes.

    O mais evidente está no texto, que recupera esboços de "Remember This House", projeto inacabado do escritor James Baldwin (1924-87).

    A intenção de Baldwin era evocar os significados do racismo nos EUA a partir de perfis de Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr., lideranças da luta dos afro-americanos pela igualdade de direitos assassinadas, em 1963, 1965 e 1968.

    Os fragmentos do ensaio inacabado foram encorpados com outros textos da abundante produção ficcional e ensaística do autor, além de cartas, entrevistas e participações dele em programas de TV. Reunidos, esses elementos demonstram a acuidade e a ferocidade da inteligência de Baldwin.

    Os materiais revelam uma voz ao mesmo tempo lírica e revoltada e uma vontade afirmativa que reconhece as conquistas da luta pelos direitos civis e identifica outra segregação, insidiosa, na representação cultural dos negros, em particular no cinema, do qual Baldwin foi um crítico atento.

    O terceiro recurso narrativo, que solda os demais, encontra-se na interpretação de Samuel L. Jackson. O ator dá voz aos textos e encontra as ênfases e entonações justas para que o humor, a dor e os afetos sejam percebidos por qualquer um da plateia, independentemente da cor da pele.

    Esse conjunto torna-se ainda mais admirável ao revelar os mecanismos e os efeitos da discriminação, não importa se étnica, econômica ou sexual. Em paralelo à luta pela dessegregação, cuja etapa decisiva ocorre dos anos 1950 aos 1970, o documentário aponta distorções subjacentes ao progressismo e identifica como a visibilidade pode ser um filtro confortável e distorcido.

    Assim, "Eu Não Sou Seu Negro" ajuda-nos a perceber que, além do direito de ser igual, não se deve esquecer do de ser diferente.

    *

    EU NÃO SOU SEU NEGRO (I'M NOT YOUR NEGRO)
    QUANDO: ESTREIA NESTA QUINTA (16)
    PRODUÇÃO: FRANÇA/EUA/BÉLGICA/ SUÍÇA, 2016, 12 ANOS
    DIREÇÃO: RAOUL PECK

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