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    Crítica

    'O Açougueiro' divisa homem e animal no real maravilhoso

    VALMIR SANTOS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    24/02/2017 02h02

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Alexandre Guimarães é Antônio na peça ‘O Açougueiro’
    Alexandre Guimarães é Antônio na peça 'O Açougueiro'

    Um dos precursores do real maravilhoso na literatura latino-americana, o cubano Alejo Carpentier (1904-1980) alinha essa ascendência formal e temática ao estado bruto de nossa formação: "Aqui o insólito é cotidiano".

    Os criadores do solo "O Açougueiro" ecoam a latência cultural do continente ao circunscrever o sertão mítico a partir da vida social. O homem é a medida da voragem animal nesse drama.

    Instinto e destino interpenetram-se na história do sujeito desvalido da zona rural de Pernambuco.

    Em criança, Antônio (Alexandre Guimarães) sonha com a carne que não vê carne no prato. Adolescente, vai "para a cidade" trabalhar num açougue e logo vira dono do seu. Introvertido, fia-se no corte rente e firme e cai no gosto da clientela.

    Isso até o namoro e casamento com Nicinha, uma prostituta. Os moradores passam a destilar crueldade e preconceito. Todos a escorraçam. A partir daí a narrativa galga o irracionalismo trágico sob coerência estilística bem urdida pela dramaturgia e direção de Samuel Santos.

    Tomando por embrião um dos contos de sua lavra na série "Desatinos" e a pesquisa de viés antropológico no grupo recifense O Poste Soluções Luminosas, Santos também cria a luz da encenação rica em imagens e sonoridades.

    O ator se apropria da figura humanizada do boi e, por outro lado, da ruminação do personagem animalizado.

    É capaz de instantes lapidares ou de seu contrário, transparecendo a ansiedade do artista-narrador. Ele afrouxa a precisão do gesto, por exemplo, nos atos imaginários de cortar a carne dependurada (não se vê a "arte" do açougueiro ali) ou de retirar um caixão do lombo do animal (quase cai). Detalhes que pedem modulações no mesmo quilate das vozes que enuncia, como esta, inclemente: "O veneno da carne é a inveja".

    *

    O AÇOUGUEIRO
    QUANDO: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 5/3
    ONDE: Sesc Pompeia (R. Clélia, 93, Água Branca, Tel. 3871-7700)
    QUANTO: R$ 7,50 a R$ 25; 16 anos

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