• Ilustrada

    Monday, 20-May-2024 18:29:41 -03

    Crítica

    Em novelas, Mircea Eliade revela inabilidade adolescente na ficção

    SÉRGIO RODRIGUES
    COLUNISTA DA FOLHA

    25/02/2017 02h11

    UMA OUTRA JUVENTUDE E DAYAN (regular)
    AUTOR Mircea Eliade
    TRADUÇÃO Fernando Klabin
    EDITORA 34
    QUANTO: R$ 49 (216 págs.)

    O romeno Mircea Eliade (1907-1986) tem uma sólida reputação internacional como historiador das religiões. É autor de diversas obras acadêmicas lançadas em português, como "O Sagrado e o Profano" e "O Conhecimento Sagrado de Todas as Eras".

    Menos conhecida, sua faceta de ficcionista pode ser conferida com o lançamento em um volume de duas novelas escritas poucos anos antes de sua morte, "Uma Outra Juventude e Dayan", em tradução direta do romeno.

    Ulf Andersen
    PARIS, FRANCE - SEPTEMBER 30: Romanian writer and essayist Mircea Eliade at home during a portrait session held on September 30, 1978 in Paris, France. (Photo by Ulf Andersen/Getty Images) ORG XMIT: 147390653,175309124 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O escritor e ensaísta romeno Mircea Eliade em sua casa, em Paris, em registro de 1978

    O material com que trabalham o acadêmico e o narrador é o mesmo: os limites da razão diante da dimensão mágica do mundo. Isso não quer dizer que dele extraiam rendimento equivalente.

    Em "Uma Outra Juventude", um idoso professor universitário rejuvenesce quando, às vésperas da Segunda Guerra, é atingido por um raio. Até fechar um círculo previsível, a história avança confusamente. Francis Ford Coppola a adaptou no filme "Velha Juventude" (2007).

    "Dayan", narrativa mais curta e mais coesa, conta o caso de um genial estudante de matemática caolho dos anos 1970 que, após um encontro com o Judeu Errante, personagem do catolicismo medieval, descobre a demonstração da "equação absoluta", que promete dar o domínio sobre o tempo.

    Ambas as histórias são carregadas de referências esotéricas, científicas e eruditas. Principalmente esotéricas. Livros sagrados, alquimistas, fórmulas xamânicas e mitos astecas desfilam em meio a elementos de novela policial, narrativa de espionagem, ficção científica, fantasia filosófica e fábula espiritual.

    Jorge Luis Borges costuma ser citado em "blurbs" sobre Eliade, mas o paralelo engana. Com seu bricabraque de peças eruditas, o gênio argentino da ironia cria máquinas narrativas perfeitas em que o efeito final é puramente literário. Eliade parece levar seu material místico mais a sério do que a magia da literatura.

    A indefinição de gênero poderia ser um ponto forte se o autor lidasse de modo controlado com a expectativa do leitor e sua frustração sistemática. Há alguns bons momentos e sacadas intelectualmente espertas. Mas suas "iluminações" ficam no plano denotativo. Os personagens são bidimensionais, e a prosa, pedestre.

    Chega a ser aflitivo ver o erudito romeno às voltas com elementos semelhantes aos que, submetidos a um sentido superior de ironia, engenho literário e ritmo narrativo, dariam anos depois em "O Pêndulo de Foucault", de seu colega Umberto Eco.

    É significativo que as novelas de Eliade, obras do fim da vida, tratem da eterna juventude e do controle sobre o tempo. De certa forma ele atingiu o rejuvenescimento por vias tortas em narrativas que, nos piores momentos, evocam tanto o deslumbramento com a "magia" quanto a inabilidade literária de um adolescente.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024