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    Série espanhola usa Amazônia para filmar conquista da América

    FABIANO MAISONNAVE
    ENVIADO ESPECIAL A MANACAPURU (AM)

    01/03/2017 02h00

    Em 1492, o navegador Cristóvão Colombo desembarcava numa praia azul do Caribe para dar início à conquista da América. Ao reconstituir o episódio, uma superprodução espanhola não achou lugar melhor do que as margens do rio Negro, no meio da Amazônia brasileira.

    Intitulada "Conquistadores: Adventum", a série de oito capítulos aborda as primeiras décadas da chegada dos europeus à América, com foco em espanhóis como o explorador Alvar Núñez Cabeza de Vaca, que descobriu as Cataratas do Iguaçu, e Bernardino de Talavera, o primeiro pirata do Caribe.

    Pouco mais de um terço das gravações ocorreu na região de Manaus, em uma operação com diversos desafios logísticos e burocráticos. Da Europa, foram trazidos uma tonelada de roupas, cerca de 200 litros de sangue falso e 200 kg de armas cenográficas –cuja demorada autorização para a entrada no Brasil, a cargo do Exército, quase inviabilizou o projeto.

    A parafernália foi levada a um sítio em Manacapuru, a 120 km de Manaus, às margens de um afluente do rio Solimões. Por terra, fica a cerca de 10 km do asfalto, em uma estrada intransitável quando sob chuva forte.

    No acampamento erguido na floresta –com luz, mas sem internet–, cerca de 40 espanhóis, entre técnicos e atores, misturavam-se a indígenas, um casal de artistas de rua venezuelanos e até um lutador de UFC, recrutados como figurantes na região.

    "Umas das coisas que mais adoramos no Brasil é que se conserva muito da cultura indígena. Tem tribo, língua, a maneira de se expressar com o corpo", disse o diretor e roteirista Israel del Santo, durante uma pausa nas filmagens. "Os índios aqui contam histórias muito parecidas à que estamos narrando."

    O local pertence à Cipó Company, produtora do argentino Daniel Garibotti, que viveu por duas décadas na Amazônia, onde trabalhou em diversos documentários. Apaixonado pela floresta, foi ele quem convenceu os espanhóis a filmar aqui. "A Amazônia tem sido a terra que fez de mim o que sou."

    No sítio, foram criados um forte e quatro aldeias. As outras locações foram a praia usada para filmar a chegada de Colombo e a região de Presidente Figueiredo (128 km de Manaus), de grutas e cachoeiras.

    As condições foram especialmente difíceis. Desacostumados com o calor úmido e sob roupas pesadas, muitos espanhóis sofreram com fungos, sanguessugas e insolação.

    "É mais fácil maquiar as pessoas da região, o suor não é tão abundante como o dos espanhóis", comparou o maquiador David Ambit, da série "Game of Thrones".

    "Na Amazônia, tudo é grande. Se é preciso mudar de lugar, são 500 km. Se tem um rio, é o maior de todos. Se tem chuva, é com raiva. Se tem sol, é de verdade. É a maior dificuldade, mas também a parte mais bonita", diz Del Santo.

    "Todos somos um pouco filhos de Fitzcarraldo e de Aguirre", afirmou Garibotti, em referência aos clássicos do cineasta alemão Werner Herzog filmados na Amazônia. "Se eles foram capazes, por que não seremos?"

    Depois de 95 dias, entre produção e filmagens, a equipe deixou recentemente a Amazônia e agora trabalha na Espanha, onde roda em locações como Burgos e Cádiz.

    NEM HERÓIS NEM VILÕES

    Financiada pela Movistar a um custo não divulgado, a série deve estrear no outono europeu no canal pago #0, que pertence à empresa de telecomunicações espanhola. Ainda não há previsão para chegar ao Brasil

    Segundo Del Santo, a série preencherá parte do vazio de produções audiovisuais sobre o período. "Colombo, um dos cinco homens mais importantes da história da humanidade, tem apenas dois filmes, um do Ridley Scott e outro de quem nem lembramos. Se esses personagens fossem britânicos, americanos, teríamos mais de cem filmes", disse.

    A série se propõe evitar os europeus como genocidas e os índios como vítimas. "Vemos o dia a dia e os dilemas de diferentes pessoas que a história depois catalogou como heróis, vilões, torturadores, conquistadores ou genocidas", diz o ator Aitor Legardon, que faz Cabeza de Vaca.

    Para a atriz indígena Nanaya Tariano, a produção tem o mérito de não retratar os invadidos de forma passiva.

    "A série mostra que o índio também lutou, também tem força, também foi guerreiro." Ela interpreta Anacaona, que liderou uma resistência no Caribe, mas acabou enforcada pelos espanhóis.

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