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    Obras de Schiele evocam lei sobre arte roubada pelos nazistas

    WILLIAM D. COHAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    06/03/2017 12h41

    Reprodução
    "Mulher Escondendo o Rosto", de Egon Schiele
    Obra 'Mulher Escondendo o Rosto', de Egon Schiele

    Quando a Lei de Recuperação de Arte Desapropriada no Holocausto foi ratificada pelo Congresso americano, em dezembro passado, foi saudada como ferramenta necessária para ajudar os herdeiros de vítimas do Holocausto a recuperar obras de arte roubadas de suas famílias durante a Segunda Guerra Mundial.

    A eficácia da lei HEAR, como ela é conhecida, pode ser posta à prova agora no Tribunal do Estado de Nova York, onde a lei está sendo evocada pelos herdeiros do artista austríaco judeu Fritz Grunbaum para reivindicar a devolução de dois desenhos coloridos valiosos de Egon Schiele.

    A coleção de 449 obras de arte de Grunbaum gera polêmica praticamente desde que os nazistas a confiscaram do apartamento dele em Viena, em 1938, e enviaram Grunbaum para morrer no campo de concentração de Dachau. Seus herdeiros argumentam há anos que a coleção, que incluía 81 obras de Schiele, foi roubada pelos nazistas.

    Mas colecionadores, marchands e alguns museus alegaram que as obras de arte foram inventariadas pelos nazistas mas não roubadas e que a cunhada de Grunbaum vendeu 53 dos trabalhos de Schiele a um marchand suíço em 1956, em uma transação legítima. Segundo eles, tribunais anteriores concluíram que as obras de Schiele não foram roubadas e que reivindicações futuras sobre elas não deveriam ser deferidas.
    Os herdeiros de Grunbaum, porém, alegam que as reivindicações anteriores, na ação judicial atual e outras, foram decididas com base em detalhes técnicos, e não nos méritos do argumento de que as obras foram roubadas pelos nazistas. Eles dizem ainda que a lei HEAR foi promulgada para decidir sobre exatamente esse tipo de caso.

    Defendendo a legislação, no ano passado, um dos proponentes da lei, o senador republicano Ted Cruz, disse que ela garantirá que "as reivindicações de devolução de obras de arte confiscadas pelos nazistas não sejam barradas injustamente pela caducidade e outras defesas temporais semelhantes e não baseadas no mérito da questão".

    A lei criou um prazo de prescrição de tais reivindicações: seis anos a partir do momento da descoberta real de onde se encontram as obras de arte. Ela se alinha com o espírito de duas proclamações internacionais segundo as quais não devem ser empregados critérios técnicos para impedir a devolução de bens roubados a seus proprietários legítimos. A legislação também já foi citada pelos advogados dos herdeiros de Alice Leffman em uma ação federal movida contra o Metropolitan Museum of Art, pedindo a restituição de uma tela valiosa de Picasso, "The Actor". O museu pediu o arquivamento da ação e declarou não acreditar que a pintura tenha sido roubada.

    As duas telas de Schiele que são objetos da ação, "Woman in a Black Pinafore" (1911) e "Woman Hiding Her Face" (1912), fazem parte dos trabalhos vendidos ao marchand suíço em 1956. Mas Raymond Dowd, advogado dos herdeiros de Grunbaum —Timothy Reif, David Fraenkel e Milos Vavra— alega que as circunstâncias dessa transação nunca foram esclarecidas e que seus clientes só tomaram conhecimento das obras perdidas quando foram anunciadas para venda numa feira de arte em 2015.

    Dowd e um dos herdeiros, Milos Vavra, tinham anteriormente pedido a devolução de outro desenho de Schiele que integrava a coleção de Grunbaum, "Seated Woman With Bent Left Leg (Torso)". Nessa ação, movida em 2005, o tribunal decidiu em favor do empresário David Bakalar, de Boston, que comprou a obra em 1963. Disse que tempo demais se passara desde que os herdeiros de Grunbaum moveram a ação, levando à perda de provas. Dowd apelou contra o veredicto, mas perdeu.

    Bakalar pagara US$4.300 pela obra, que leiloou por US$1,3 milhão em 2015.

    Dowd registrou sua nova ação judicial em novembro desse ano, quando soube que o marchand londrino Richard Nagy, especialista em Schiele, estava tentando vender "Woman in a Black Pinafore" e "Woman Hiding Her Face" numa feira de arte no Park Avenue Armory. Os dois desenhos juntos foram avaliados em cerca de US$ 5 milhões, segundo ele.

    Nagy contestou a ação, argumentando que comprou os dois trabalhos "de boa fé e de maneira comercialmente razoável" depois de a Suprema Corte dos EUA ter rejeitado o recurso de Dowd no processo envolvendo Bakalar. Seus advogados dizem que as decisões judiciais anteriores sobre os trabalhos de Schiele da coleção Grunbaum foram baseadas na conclusão de que tinham sido negociados corretamente em 1956.

    Mesmo assim, no ano passado o juiz Charles Ramos, da Suprema Corte do Estado de Nova York, ordenou que os dois desenhos fossem retidos pela transportadora de Nagy à espera do resultado da ação judicial. Nagy e seu advogado, Thaddeus Stauber, apelaram contra a ordem.

    Em entrevista, Stauber disse que a ação contra Nagy precisa ser arquivada. "É o que chamaríamos de 'Bakalar 2'", ele disse. "É o mesmo argumento sendo apresentado por estes herdeiros e seus advogados, relativo à mesma coleção de arte, por isso a ação não deveria seguir adiante."

    O advogado disse que Dowd errou ao evocar a lei HEAR, porque ela não se aplica a casos em que já foi feito um julgamento final. O processo de Bakalar teria determinado que as telas de os Schiele da coleção de Grunbaum não foram roubadas.

    Mas Agnes Peresztegi, presidente e assessora jurídica da Comissão de Recuperação de Arte (organização fundada pelo colecionador bilionário Ronald S. Lauder para encorajar a devolução de obras de arte roubadas na Segunda Guerra Mundial), disse que concorda com Dowd. Segundo ela, o processo "Bakalar" não foi decidido segundo o mérito da questão, mas por uma questão técnica —o prazo para reivindicar a devolução das obras já havia prescrito. Ela disse que apoia o uso da nova lei para decidir se muitas das telas de Schiele da coleção de Grunbaum, incluindo duas pertencentes a Nagy, foram ou não roubadas. "Minha opinião é que todos os querelantes que tiverem um argumento sério a apresentar serão ouvidos pelos tribunais e que ações não fundamentadas em fatos concretos serão rejeitadas."

    Dowd ainda está otimista quanto às chances de seus clientes. "Acreditamos que o parecer especializado de Jonathan Petropoulos, o maior perigo mundial neste campo, vai persuadir a corte que as evidências mostram que Fritz Grunbaum foi vítima de roubo de arte pelos nazistas", ele escreveu em e-mail.

    Tradução de Clara Allain

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