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    Perguntamos aos autores da peça '5 X Comédia' o que é fazer humor hoje

    DE SÃO PAULO

    07/03/2017 02h15

    Sucesso nos anos 1990, "5 X Comédia" ganhou nova montagem, com textos inéditos e elenco reformulado. Após temporada no Rio, a peça dirigida por Monique Gardenberg e Hamilton Vaz Pereira estreia nesta sexta (10) em São Paulo.

    Bruno Mazzeo, Debora Lamm, Fabiula Nascimento, Lucio Mauro Filho e Thalita Carauta interpretam textos de Antonio Prata, Jô Bilac, Julia Spadaccini, Gregorio Duvivier e Pedro Kosovski que versam sobre o tragicômico do cotidiano.

    A "Ilustrada" perguntou aos autores sobre o humor hoje:

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    O que mudou no humor desde os anos 1990?

    Antonio Prata: Nas últimas décadas as minorias ganharam voz e puderam exprimir opiniões sobre os preconceitos recebidos. O mundo melhorou e humor barato e ofensivo não tem mais graça. Isso é bom pro mundo e bom pro humor

    Pedro Kosovski: Por um lado, grupos sociais historicamente oprimidos e silenciados ganharam voz. Por outro lado também, as redes sociais revelam a intimidade do que temos de pior no Brasil: aquele comentário racista, machista ou homofóbico. Nesse sentido, considero o politicamente correto pedagógico

    Julia Spadaccini: Hoje, quando as redes sociais deixaram mais claro o tamanho do preconceito e da intolerância do país, é importante que o movimento oposto seja realmente radical. Não se pode bater em minorias pra fazer piadinha. O preconceito não tem a menor graça

    Gregorio Duvivier: Hoje em dia vejo que as minorias têm mais voz. Então parece que aquilo que sempre incomodou hoje é verbalizado —e, mais do que isso, ouvido. Fazer humor hoje é —necessariamente— consertar com essas vozes

    Jô Bilac: A internet deu voz a muitos grupos e trouxe à tona muitas questões de princípios. Eu acho que o humor de lá pra cá mudou muito por conta desta influência da internet e da própria coisa de ridicularizar o discurso

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    Com as redes sociais, há um patrulhamento maior do humor hoje?

    Antonio Prata: Acho engraçado que sempre perguntam sobre o "patrulhamento" e e nunca "o que você acha de piadas racistas e machistas?". Por que as pessoas estão tão preocupadas com a liberdade de expressão dos humoristas e nadica de nada com o racismo e o machismo? Num país como o Brasil, não são exatamente os humoristas quem mais precisam de ajuda

    Pedro Kosovski: Tudo parece estar mais visível: na política, na arte, na economia e no humor. Essas grandes escalas requerem novas condutas. Dentro disso, é claro que pode haver casos de patrulhamento. Mas não concordo que essa seja a tônica das redes

    Julia Spadaccini: Esse "patrulhamento" nada mais é do que uma ferida aberta e purulenta de tantos anos de uma sociedade homofóbica e machista. É uma defesa natural para que a gente tenha limites e volte a respeitar as escolhas alheias

    Gregorio Duvivier: Não chamo de patrulhamento, não. O que há é a chance de ser ouvido por aquele que te ofende. As relações entre artista e público são mais horizontais. É mais arriscado. Mas o risco é bom

    Jô Bilac: Eu acho que existe, sim, um patrulhamento, porque existe um espaço pra você colocar sua voz. A gente sempre satiriza o poder, então as redes também questionam esse senso comum de achar normal tratar a minoria com menosprezo. Acho positivo que isso esteja mudando

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    Você tem alguma privação na hora de escrever?

    Antonio Prata: Filho chorando, tenho angústia, fome, sede, falta de ideias, falta de tempo, dor na lombar e a lista continua

    Pedro Kosovski: Tenho todas as privações do mundo: contas a pagar, cronogramas, "dead lines", falta de concentração e inseguranças. Ou seja: todas as exigências da vida prática e real. Escrever é jogar com todo o tipo de privação. Agora, em relação ao politicamente correto, não acho que seja essa uma privação

    Julia Spadaccini: Escrevo justamente para me libertar das privações

    Gregorio Duvivier: Privação jamais. No entanto, a problematização é fundamental. Acho que o humor –assim como tudo– fica ainda melhor quando acompanhado de uma reflexão –mesmo que essa reflexão esteja invisível no produto final. Acho inclusive que o ideal é que ela esteja invisível

    Jô Bilac: Privação... acho que seria mais um cuidado, uma reflexão, porque quando você escreve torna-se porta voz para se comunicar com muita gente, então eu procuro não ser leviano com esse espaço de humor. E eu acho que o humor é uma arma potente que, a partir do riso, levanta questionamentos, reflexões e desafia e transgride essa ideia da massa do senso comum

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    O mundo ficou mais careta?

    Antonio Prata: Sim. Na Idade Média um homem branco que nem eu podia matar e violar e pilhar e não tinha essa patrulha toda, "ah, coitado do camponês, ah, coitada da menininha". Brincadeiras à parte, os malas defensores das couves-flores são um efeito colateral absolutamente aceitável para o avanço civilizatório

    Pedro Kosovski: Depende. O mundo continuará sempre careta para os caretas. Mas, sinceramente, não é o que percebo pelas ruas e na juventude que está aí. Como diria a canção de Caetano Veloso ["Vaca Profana"] "La mala leche para los puretas". Desse mundo, pode me excluir

    Julia Spadaccini: Quando a gente aprender o limite do outro, vamos ter mais liberdade. Por enquanto, é isso

    Gregorio Duvivier: Não vivi outro mundo. Mas me parece que não tá mais careta não. Quem reclama que o mundo tá careta em geral é gente careta. Tá mais difícil ser machista, racista, homofóbico. Isso é caretice? Acho que não. Pra mim faz parte de um processo civilizatório

    Jô Bilac: Eu acho que o mundo ficou mais conservador, talvez. De certa forma, esses valores conservadores hoje estão muito presentes em todas as áreas. Então, acho que na verdade o humor tem esse papel de "fênix", de estar sempre ressurgindo e ressignificando. E eu acho isso o maior antídoto contra a caretice atual

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    5 X COMÉDIA
    QUANDO sex., às 21h; sáb., às 21h30; dom., às 19h; até 30/4
    ONDE Teatro Frei Caneca, r, Frei Caneca, 569. tel. (11) 3472-2229
    QUANTO R$ 50 a R$ 120
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos

    Edição impressa

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