• Ilustrada

    Saturday, 04-May-2024 17:51:37 -03

    crítica

    Monólogo apura 'Hamlet' sem sacrificar sua complexidade

    VALMIR SANTOS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    12/03/2017 02h17

    Lenise Pinheiro/Folhapress
     Sao Paulo, SP, Brasil. Data 02-03-2017. Espetáculo Hamlet. Ator Emanuel Aragão. Teatro Sesc Ipiranga. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
    Ator e dramaturgo Emanuel Aragão durante ensaio de 'Hamlet - Processo de Revelação'

    Um monólogo a partir de "Hamlet" guarda algum nexo quando se sabe que o protagonista opera dramaturgicamente como plateia de si.

    Os solilóquios presentes nos cinco atos de Shakespeare codependem dos outros dentes da engrenagem sobre a vingança protelada até o ápice, quando todos tombam.

    Assim como no insight do príncipe ao representar uma peça para capturar a consciência do rei ""assassino de seu pai e casado com sua mãe"", o Coletivo Irmãos Guimarães e o ator Emanuel Aragão, ambos de Brasília, chamam o público a dissecar a tragédia.

    Há um quê de apuração de verdade já no subtítulo de "Hamlet - Processo de Revelação". Uma camada expositiva pinça contradições do texto.

    Como a de que a máxima "ser ou não ser" figura no terceiro ato e a cena da caveira, no quinto, contrariando o gesto que comumente os associa. É inquietante a tradução e apropriação dessas linhas pelo narrador adorável em seu desassossego e sagacidade.

    Aragão aporta o luto pessoal pela morte do pai e cria paralelismo com a condição de Hamlet. Desconfiamos do excerto autobiográfico na abertura, mas ele se justifica.

    A postura e a enunciação introvertidas contrastam com a eloquência do personagem-título a que dá voz e corpo em hiatos vitais de representação.

    A direção de Adriano e de Fernando Guimarães evita contorcionismos canônicos e tampouco simplificam a complexidade. A essência está mantida sobre o palco despojado, malgrado a celeridade com que passam por Ofélia.

    O único efeito visual vem do pó levantado pelas marretadas no morro de tijolos. Um rompante desse Hamlet de aspectos sombrios e melancólicos não aparentes, mas que calam fundo.

    Entre os exemplos brasileiros de livre apropriação dessa obra-prima estão "Ham-Let" (1993), de Zé Celso e Oficina, e "Ensaio.Hamlet" (2004), de Enrique Diaz e Cia. dos Atores. Esse não fica atrás.

    *

    HAMLET - PROCESSO DE REVELAÇÃO
    QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 26/3
    ONDE Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000
    QUANTO R$ 9 a R$ 30
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024