• Ilustrada

    Tuesday, 07-May-2024 12:48:33 -03

    Autora de 'Cortina de Ferro' fala sobre riscos da extrema direita

    FERNANDO TADEU MORAES
    DE SÃO PAULO

    18/03/2017 02h13

     FILE - In this Oct. 24, 1956 file photo, people gather around a fallen statue of Soviet leader Josef Stalin in front of the National Theater in Budapest, Hungary. The uprising in Hungary began on Oct. 23, 1956 with demonstrations against the Stalinist regime in Budapest and was crushed eleven days later by Soviet tanks amid bitter fighting. For Hungary, a pro-Russian leader in the White House offers hope the Western world might end the sanctions imposed over Russia's annexation of Crimea and its role in eastern Ukraine. Many Poles, instead, fear a U.S-Russian rapprochement under Trump could threaten their own security interests. To most Poles, NATO represents the best guarantee for an enduring independent state in a difficult geographical neighborhood. (AP Photo/Arpad Hazafi, file) ORG XMIT: LON111
    Estátua caída de Stálin em Budapeste, durante levante contra o regime soviético em 1956

    Quis a história que os países integrantes do antigo Leste Europeu vivenciassem os horrores de dois regimes totalitários nascidos no século 20.

    Após a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando serviram de palco para a barbárie e o genocídio nazista, esses locais foram submetidos à esfera de influência da URSS pelas quatro décadas seguintes.

    Os primeiros anos da dominação soviética estão descritos com impressionante riqueza de detalhes no livro "Cortina de Ferro: o Esfacelamento do Leste Europeu, 1944-1956", da jornalista americana Anne Applebaum, lançado em 2012, e agora publicado em português pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha.

    Para contar essa história, Applebaum, colunista do jornal "The Washington Post", recorreu a uma imensa literatura em diversas línguas, consultou jornais da época, desencavou arquivos históricos e entrevistou quase uma centena de pessoas.

    Mais do que deslindar as razões da tomada soviética da região após o fim da guerra, o livro se dedica a investigar a natureza desse assalto e do sistema totalitário que os soviéticos buscaram impor no Leste Europeu.

    A autora recria essa tentativa de controle absoluto por meio da experiência de três países: Alemanha Oriental, Polônia e Hungria.

    Applebaum mostra que a sovietização do Leste Europeu não se limitou às instituições políticas ou às estruturas sociais. Tratava-se de reformar a sociedade, moldar a criatividade artística, reconfigurar as cidades, produzir, enfim, uma nova civilização, voltada à disseminação daquele que se tornaria ironicamente conhecido como Homo sovieticus.

    O projeto, como se sabe, desmanchou-se nos ares há cerca de 25 anos, mas a experiência, escreve a autora, serviu para nos mostrar quão frágil pode ser aquilo que chamamos "civilização".

    Na entrevista a seguir, Applebaum conta suas motivações para escrever "Cortina de Ferro", critica o presidente russo, Vladimir Putin, e comenta a ascensão de movimentos de extrema direita em países do leste da Europa.

    Folha - O que motivou a sra. a escrever "Cortina de Ferro"?

    Anne Applebaum - Eu queria explicar a terrível habilidade desenvolvida pela máquina comunista soviética: um modelo concebido nos anos 1920, aprimorado na década de 1930, imposto experimentalmente nos países Bálticos [Lituânia, Letônia e Estônia] em 1939, e que se espalhou por meio da força sobre o Leste Europeu depois de 1945.

    Essa habilidade consistia em fazer com que muitas pessoas céticas com relação ao comunismo, e em tantos países diferentes política e culturalmente, fossem manipuladas e governadas por longos anos sem que tivesse havido muita oposição aberta.

    Por que a sra. concentrou-se em Alemanha Oriental, Hungria e Polônia em seu livro?

    Eu os escolhi porque têm histórias políticas bem diferentes, especialmente durante a Segunda Guerra. A Alemanha foi governada pelos nazistas, a Polônia era dos Aliados e teve papel importante na luta contra Hitler. Já a Hungria lutou nos dois lados em distintos momentos.

    Um novo regime totalitário poderia surgir hoje?

    Sem dúvida. A Coreia do Norte, por exemplo, é um regime totalitário e existe desde a época de Stálin. Isso mostra que, se algum líder estiver disposto a se impor com violência e deixar seu povo sofrer bastante com a pobreza, ele pode permanecer no poder.

    No século 21, vemos a ascensão de novas formas de autoritarismo. Eles não são regimes totalitários na acepção soviética, mas compartilham as mesmas características. Na Rússia e na Turquia estão no poder regimes que controlam a mídia não por meio da censura, mas pela manipulação, incluindo a manipulação em redes sociais.

    Como a sra. avalia o governo do presidente russo Vladimir Putin? Existe algum paralelo com o período comunista?

    Acredito que sim. O que Putin tem feito na Rússia é muito similar ao que a URSS fez no Leste Europeu após a guerra. Ele não se utiliza da violência em massa, mas da pressão sobre instituições como a mídia, o Judiciário, as escolas e universidades. Seu pensamento é o de um oficial da KGB: qualquer pessoa ou grupo realmente independente é, por definição, uma ameaça. É um raciocínio soviético.

    O presidente dos EUA, Donald Trump, manifestou diversas vezes sua admiração por Putin. Quais poderiam ser as consequências geopolíticas de uma aliança entre eles?

    Uma aliança assim poderia ter consequências trágicas. Poderia representar, por exemplo, o fim da Otan (aliança militar ocidental) e, portanto, o fim da democracia na Europa Central. Pode representar ainda a disseminação da corrupção de estilo russo e o fim das instituições multilaterais que facilitaram o comércio e tornaram o continente rico. Há muita coisa em jogo.

    Passados 25 anos do fim do domínio soviético no Leste europeu, países da região experimentam a ascensão de partidos populistas e xenófobos. Como a sra. avalia o crescimento da extrema direita nessa região?

    Cortina De Ferro
    Anne Applebaum
    l
    Comprar

    Fico muito preocupada. Na Polônia, por exemplo, um governo eleito está destruindo a Constituição, na letra como no espírito. Desde que ascendeu ao poder, em 2015, o Partido da Lei e da Justiça tem minado e reduzido o poder do tribunal constitucional, politizado serviços prestados pelo Estado e transformado a mídia pública em um órgão bruto de propaganda do partido.

    Não estou certa, porém, de que haja algo específico nos países da Europa Central que explique essa ascensão. E não acho que "autoritários" dessa região sejam muito diferentes de seus congêneres no Europa Ocidental. Se Marine Le Pen for presidente da França, ela se comportará igual ao partido que comanda a Polônia hoje.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024