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    análise

    'Logan' deprime ao espelhar o pesadelo da América atual

    MARCELO GLEISER
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    19/03/2017 03h37

    Divulgação
    Hugh Jackman vive Wolverine pela última vez em 'Logan'
    Hugh Jackman vive Wolverine pela última vez em 'Logan'

    (Atenção: melhor ler esta análise apenas após assistir ao filme "Logan".)

    Nas sagas míticas, a narrativa conta a história do herói que deixa sua casa para encarar uma série de desafios, numa peregrinação de autodescoberta. Os obstáculos testam sua força e determinação, moldando seu caráter por meio da dor e do sofrimento.

    A glória, quando atingida, é tão doce quanto amarga, pois acompanha perdas doloridas, em geral de família e amigos. Nas maiores tragédias, o herói paga com sua vida para que outros sejam livres.

    "Logan", com história e direção de James Mangold, segue essa estrutura à risca, uma tragédia com todos os elementos clássicos amplificados.

    O filme tem violência gráfica digna de Quentin Tarantino, do tipo que não costumamos associar a filmes inspirados pelos heróis das histórias em quadrinhos da Marvel.

    É o fim dos X-Men, ao menos como os conhecemos. Um fim pesado, opressor, explorando, como em outros filmes da série, o pior que a humanidade tem a oferecer: a impossibilidade da convivência com os que são diferentes e o uso imoral da ciência, com objetivos nefastos.

    No caso de "Logan", o vilão é uma corporação maléfica, contratada pelo governo. O pesadelo é que a corporação usa crianças clonadas com genes mutantes como cobaias, numa espécie de combinação sinistra de Terra do Nunca com "A Ilha do Doutor Moreau".

    O filme é tão deprimente que às vezes fica difícil olhar para a tela. A história se passa em 2029 e Logan, nosso amado Wolverine, está velho, quebrado, paralisado pelos seus conflitos existenciais, afogando sua dor na bebida.

    Dirige um táxi-luxo e cuida do Professor X, líder dos X-Men, agora um nonagenário acabado. As previsões mais negras de Magneto se realizaram: os humanos obliteraram os mutantes, e a Solução Final está funcionando quase que perfeitamente.

    Felizmente, as crianças geneticamente modificadas sobrevivem, e conseguem escapar da prisão onde foram criadas. Uma delas é Laura, que tem os genes de Logan, incluindo seu poder de regeneração e suas garras.

    Muito contra sua vontade, Logan acaba tendo que cuidar da "filha". Sua missão é leva-la a um lugar chamado Éden, a Terra do Nunca das crianças mutantes.

    Espelhando o pesadelo da América atual, as crianças precisam deixar o país rumo ao Canadá para sobreviver, tornando-se imigrantes numa sociedade que as aceita como são. Nos últimos meses, o número de aplicações de imigração para o Canadá bateu todos os recordes.

    Fiel à narrativa trágica amplificada, todos os heróis morrem. Na cena mais devastadora do filme, a pequena Laura enterra seu próprio pai, após um momento raro de ternura em que Logan finalmente entende o que significa amar alguém.

    Sozinha em frente à sepultura do pai, a menina reposiciona uma cruz na forma de um X. É o fim da saga dos X-Men. Mas as crianças atravessam a fronteira e os mutantes sobrevivem. Como na vida real, a Solução Final não pode funcionar.

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