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    Espetáculo debate apedrejamento literal e virtual de mulheres

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    DE SÃO PAULO

    24/03/2017 02h10

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Fernanda D'Umbra com o figurino-cenário de Gal Oppido em 'Isso Não É um Sacrifício
    Fernanda D'Umbra com o figurino-cenário de Gal Oppido em 'Isso Não É um Sacrifício'

    Durante suas pesquisas para "Isso Não É um Sacrifício", espetáculo que estreia nesta sexta (24) em São Paulo, Christiane Tricerri se deparou com uma contradição.

    Assistiu a vídeos de apedrejamento de mulheres por radicais islâmicos e viu na violência daquele ato uma estranha poesia: aquelas mulheres, enterradas até a cintura e enroladas em gaze, sangravam lentamente com a agressão, e o vermelho tingia as ataduras como uma aquarela.

    "[Os vídeos são] a coisa mais brutal que eu já vi, mas no teatro eu posso trabalhar com a brutalidade em contraponto com a fragilidade humana. Ir do brutal ao poético. Atingir os nervos, mas também o coração", diz Tricerri, que assina a direção do monólogo escrito por Fernando Bonassi e interpretado por Fernanda D'Umbra.

    Como em seu trabalho anterior, "A Merda" (2015), texto do italiano Cristian Ceresoli que expurga os males da sociedade de consumo, em "Isso Não É um Sacrifício" Tricerri segue com sua pesquisa sobre a brutalidade.

    A peça transita da violência literal sofrida por mulheres à metafórica, como linchamentos na internet ou em pequenos atos cotidianos. É o "apedrejamento nosso de cada dia", define a diretora.

    "E como passamos de vítimas a algozes num piscar de olhos. Porque as reações [na internet] são muito imediatas. Isso me assusta muito."

    O texto dá margem a essas diversas interpretações (literais e metafóricas) da violência. "Você é apanhada de surpresa e arrancada do seu território. O território mais íntimo que era frequentado e agora é invadido. O último abrigo foi violado", diz um trecho.

    Como fez em "A Merda", Tricerri coloca a atriz falando com um microfone. Não para ampliar a voz (trata-se de um espaço cênico diminuto), mas para que ela surja como um elemento musical.

    D'Umbra é acompanhada em cena pelo guitarrista Jorge Jordão e pelo designer de som e diretor musical Rafael Bresciani, que executam ao vivo a trilha sonora. A música foi composta com as falas da atriz, para complementar ou interferir no que é dito. É um trabalho que Tricerri define como "teatro-concerto".

    Para o figurino, que também faz as vezes de cenário, Gal Oppido criou um longo tecido que parte do pescoço da atriz e se estende pelo palco. D'Umbra fica toda coberta, como se estivesse aprisionada, imóvel diante da violência.

    *

    ISSO NÃO É UM SACRIFÍCIO
    QUANDO sex., às 21h30; sáb., às 19h30; dom., às 18h30; 23/4
    ONDE Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000
    QUANTO R$ 6 a R$ 20
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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