Há pouco mais de dois meses na direção do Balé da Cidade de São Paulo, Ismael Ivo, artista do corpo que consolidou sua carreira na Europa, volta ao Brasil com o desejo de dialogar com a capital paulista.
Após o grande apagão de grafites pela cidade, promovido pela prefeitura, Ivo trouxe o tema para o centro de sua chamada instalação coreográfica, "Risco", que tem direção cênica de Sérgio Ferrara, experiente no teatro.
O programa inclui ainda "Adastra" (2015), do catalão Cayetano Soto.
A proposta é mais do que bem-vinda: o desejo de arriscar, uma cidade em pleno (e caótico) processo de transformação, o grafite como pano de fundo e o corpo como reflexo de seu tempo.
Arthur Costa/Divulgação | ||
Bailarino na coreografia "Risco", que o Balé da Cidade de São Paulo apresenta em 2017 |
A figura do norte-americano Jean Michel Basquiat (1960-1988), ícone do grafite, abre o espetáculo, como representante dos excluídos.
Aos poucos, imagens de São Paulo, captadas por drones, são projetadas no fundo do palco, solução que serve de cenário por quase todo o tempo de duração da peça.
Com tantas possibilidades, é um tanto surpreendente ver que a movimentação escolhida não acompanha a proposta contemporânea.
Exemplos disso são os corpos que seguidamente se aglomeram e se espalham, formando quadros confusos; o uso excessivo de câmeras lentas e "canons" -recurso em que os corpos repetem movimentos em cadência, muito usado nas aulas de jazz dos anos 1980.
O elenco parece perdido em "Risco", destituído de suas inegáveis pluralidades, talvez em busca de uma coreografia que não acontece.
E onde se dá exatamente o diálogo com a cidade? Na dança feita em frente aos grafites projetados? Nos corpos pintados? Nos black blocs que fazem "developpés" (elevação de uma das pernas) em fila?
O Balé da Cidade de São Paulo precisa da voz de Ivo, de sua representatividade, de sua inteligência e amor à dança, mas sem perder de vista o que a companhia acumula nesses quase 50 anos de vida: o diálogo constante com os maiores coreógrafos do Brasil e do mundo.