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    Doença de pais idosos inspirou 'Os Corvos', coreografia sobre a morte

    IARA BIDERMAN
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    29/03/2017 02h12

    Clarissa Lambert/Divulgação
    Os bailarinos Luis Arrieta e Luis Ferron em cena de "Os Corvos" Foto: Clarissa Lambert/Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Os bailarinos Luis Ferrón e Luis Arrieta em cena de 'Os Corvos', que estreia na quinta no Sesc Pompeia

    "Os Corvos" chegam na quinta (30) ao Sesc Pompeia. É um bom agouro: os pássaros pretos dão nome ao espetáculo criado por Luis Arrieta e Luis Ferrón, dois dos coreógrafos mais interessantes da dança contemporânea brasileira.

    A coreografia trata de envelhecimento, doença e morte, encarados sem pesar —mas capaz de levar às lágrimas em certos trechos, pela mistura de ternura e impotência dos corpos diante do inexorável.

    O espetáculo começou a ser gerado em 2006, quando Luis Ferrón voltou à casa dos pais, já doentes, para cuidar deles até a morte. A mãe, diabética e cardiopata, morreu em 2012, em casa, e o pai, doente de Parkinson, no ano seguinte, no hospital.

    A dança se desenrola em um tempo fictício anunciado ao público: das 22h às 22h30, período entre a primeira parada cardíaca do pai de Ferrón e o anúncio do óbito. Nesse buraco das horas, as memórias do corpo e as inversões dos papéis de pai e filho são dançadas pelos dois bailarinos.

    "Desde o início, pensei em fazer o trabalho com Arrieta, por sua experiência e pela admiração que tenho por ele. Ele é uma referência para mim, de certa forma faz parte das minhas memórias", diz Ferrón.

    As memórias mais antigas, como aquelas vistas e ouvidas por Ferrón de seus pais definhando, foram buscadas por Arrieta. Assim, o bailarino declama em cena um poema aprendido aos seis anos, na escola, em Buenos Aires.

    O poema épico "El Negro Falucho" conta a saga do soldado fiel do general José de San Martín, um dos líderes da guerra pela independência da Argentina. "Ele era dessa pessoas frágeis e doentes capazes de fazer coisas incríveis. Asmático, atravessou os Andes de maca para surpreender os espanhóis", conta Arrieta.

    Os corvos bailarinos dançam a ambiguidade: fragilidade e força, infância e velhice, vida e morte —lembrando, conforme Arrieta, que vida não tem contrário: "O contrário de morte é nascimento".

    A figura do corvo também ganha outra dimensão. "O corvo é o mensageiro entre o mundo dos vivos e o dos mortos", afirma Arrieta.

    Outros mensageiros entram em cena, como Caronte, o barqueiro que leva as almas para o inferno, na mitologia grega, e a orixá Nanã, senhora da morte, responsável pelos portais de entrada e saída dos corpos neste mundo.

    "O tema é fantástico. Tenho origem indígena, uma cultura que encara a morte de outra forma", diz Arrieta.

    Ferrón, criado em uma cultura em que as pessoas não são educadas para lidar com a morte, diz que a montagem do espetáculo foi também uma forma de exorcização. "Ainda me sinto órfão, mas lido de outra maneira com a perda de meus pais", afirma.

    Dançar, como disse Montaigne sobre a filosofia, é também aprender a morrer. "Há três temas fundamentais na arte: sexo, amor e morte. É disso que estamos sempre falando", diz Arrieta.

    *

    OS CORVOS
    QUANDO de 30/3 a 9/4, qui. a sáb., às 21h, dom., às 19h
    ONDE Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
    QUANTO R$6 a R$ 20; livre

    Edição impressa

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