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    Crítica

    Novo filme mostra que errantes de Wenders perdem lugar no mundo

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    29/03/2017 02h04

    Divulgação
    Reda Kateb e Sophie Semin no filme The Beautiful Days of Aranjuez, de Wim Wenders ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Reda Kateb e Sophie Semin no filme "Os Belos Dias de Aranjuez"

    Faz poucos meses eu revi "Paris-Texas" (1984). Talvez não seja mais tão atual quanto era na época. Pouco importa: o talento de Wim Wenders ali é evidente, a força das imagens continua a impressionar.

    Era o tempo, ainda, em que os personagens do cineasta alemão andavam de um lado para o outro, atravessando ora um deserto, ora um país. Buscavam alguma coisa? Ou não buscavam nada?

    Esses seres errantes sumiram desde então. Wenders acumulou filmes ora desinteressantes, ora fracassados. Alguns deviam seu encanto quase exclusivamente ao objeto ("Buena Vista Social Club").

    Em outros casos, mesmo o interesse que desperta o objeto ficou pelo caminho (em "Pina", em função do uso do 3D).

    O que teria acontecido, enfim, a ex-Wim? —pode-se perguntar nesta era de super-heróis em série?

    Eis a questão que "Os Belos Dias de Aranjuez" nos força a encarar. Primeiro, existem os super-heróis, claro. A dúvida (assim como sua gêmea, a tolerância) passou a ser mal avaliada: é como se cada um tivesse de antemão todas as certezas.

    Não é o melhor ambiente para Wim lançar seus personagens errantes, à procura de algo que às vezes nem eles sabiam o que era.

    Isto é: talvez não seja por acaso que seu último filme memorável, "Asas do Desejo" (1987), tenha sido feito pouco antes do fim do Muro de Berlim. Wenders parece não caber no mundo que daí surgiu. Tampouco o dramaturgo Peter Handke, seu parceiro nos melhores dias e agora, novamente, em "Aranjuez".

    Tudo começa com um escritor diante da máquina de escrever. Logo ele começa a conceber sua história: há um jardim, bem à sua frente, onde um homem e uma mulher conversam, sentados, em torno de uma mesa.

    O que parece que vai se estabelecer é um diálogo libertino, incitado pelo homem (Reda Kateb), que pergunta à mulher (Sophie Semin) sobre sua primeira vez (primeira experiência sexual, é evidente). Eis uma questão que combina com a paisagem, mas não com o 3D. O 3D é muito bom para fazer aparecer diante de nós um tubarão ou algo assim. Não para um diálogo filosófico, que é o que se desenha desde então.

    Na verdade não é bem um diálogo: o homem coloca questões, a mulher responde. Ela não parece ter interesse maior por ele. E as perguntas que ele formula, a partir de certo instante (logo) parecem não raro mera formalidade.

    MULHER DIÁFANA

    À questão inicial a mulher responderá dizendo que sua "primeira vez" foi sozinha e na infância. Que primeira vez é essa? Algo muito especial, sem dúvida. E todo o desenvolvimento se dará em torno dessa mulher diáfana demais, profunda demais para um diálogo libertino.

    Especial é também o suave sotaque dos dois atores: o falar do homem e da mulher nos remetem à dicção dos personagens de "Hiroshima Meu Amor". E, como no filme de Alain Resnais, eles parecem irremediavelmente deslocados: franceses de origens provavelmente distintas em Aranjuez (Espanha), assim como Handke é um austríaco escrevendo, aqui, em francês.

    E Wenders é o alemão internacional fazendo, na Espanha, um filme em francês.

    Ou seja, algo restou do ex-Wenders errante. Não muito.

    *

    OS BELOS DIAS De ARANJUEZ
    QUANDO: estreia na quinta (30)
    ELENCO: Reda Kateb, Sophie Semin, Jenz Harzer
    PRODUÇÃO: Alemanha, 2016, 12 anos
    DIREÇÃO: Wim Wenders

    Edição impressa

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