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    'Para escrever novela tem que ser desavergonhado', afirma Glória Perez

    LÍGIA MESQUITA
    ENVIADA ESPECIAL AO RIO

    30/03/2017 02h03

    Estevam Avellar/Divulgação
    A novelista, Glória Perez, no lançamento de 'A Força do Querer', no Rio
    A novelista, Glória Perez, no lançamento de 'A Força do Querer', no Rio

    Em uma foto da estante do escritório de Gloria Perez, publicada no livro "Autores - História da Dramaturgia" (Ed. Globo), dá para ver uma placa com uma citação de Nelson Rodrigues: "Só os imbecis têm medo do ridículo".

    A frase não é um mantra dela, mas está de acordo com o que pensa. "Se você tem medo de ser ridículo, não faz nada na vida", diz à Folha.

    E Gloria não tem medo de ousar nem de se arriscar em temas dos mais variados possíveis em suas tramas, mesmo que parte do público ache que ela está "viajando". Não será diferente em "A Força do Querer", novela das 21h da Globo, que estreia na próxima segunda (3), com direção artística de Rogério Gomes.

    A história, que se passa em parte no Pará, terá como fio condutor uma personagem que se acha sereia. Também falará de paixão e do mundo do tráfico de drogas, mostrará uma mulher lutadora de MMA e abordará identidade de gênero com uma personagem transexual.

    O pano de fundo do folhetim, diz ela, será o embate de quereres das pessoas. "Com a internet e as pessoas ganhando protagonismo, o querer está acentuado, querem impor seu ponto de vista."

    Leia trechos da entrevista:

    *

    Folha - Por que decidiu falar do sereismo [pessoas que se fantasiam de sereia]?

    Gloria Perez - Achei interessante. É uma profissão que tá aí, há uma multiplicação de escolas de sereia. E ao mesmo tempo é um mito universal, que encanta desde sempre.

    E por que decidiu abordar a questão de gênero?

    Porque estou pensando sobre isso. Quando você escreve uma história é uma forma de refletir sobre esses assuntos e entender o momento. Esse assunto está à nossa volta.

    Não conhecia nenhuma história pessoal. Aí me inteirei de como se sente uma pessoa trans quando ela ainda não entende o que tá acontecendo com ela, esse conflito da mente com o corpo. O assunto é novo, mas o drama é antigo.

    Como o público reagirá?

    A minha maneira de abordar os temas não é levantando bandeiras. Por isso que comecei com uma pessoa que vive o conflito de não saber o que está acontecendo com ela. Espero que haja identificação do humano com o humano.

    A novela terá novamente uma favela como cenário. Alguns autores, como o Aguinaldo Silva, acham que o público cansou de realidade. Concorda?

    Acho que as pessoas gostam de sonhar e que dá para fazer uma boa mistura. Novela é entretenimento. E através do entretenimento você faz com que as pessoas reflitam a realidade. Nunca ninguém assistiu, que eu saiba, à uma novela pelo cenário, mas pela história. O folhetim é uma uma obra de massa. E qual o único caminho que iguala a todos? É pela emoção.

    O diretor Rogério Gomes diz que você é uma autora que não tem vergonha de fazer novela. O que isso significa?

    Não tenho. Desde a época da ditadura, em que se dizia que a novela era alienante, existe um certo menosprezo por aquilo que foi a dramaturgia que se firmou no Brasil e ganhou fama internacional, as novelas. Novela é folhetim.

    E para escrever folhetim você tem que ser muito desavergonhado. Porque você precisa usar os truques do folhetim sem medo e vergonha, senão você não faz.

    Não tem nenhuma história do mundo que renda 200 capítulos para você contar. Só vai conseguir através do truque, uma característica do gênero. Não ter vergonha de fazer novela é não querer transformá-la numa série, em algo que ela não é.

    Quais seriam esses truques?

    O folhetim tem uma regra básica, o sensacionalismo tem que estar acima da coerência. E isso o pessoal das séries americanas pegou completamente para si. Eles usam do sensacionalismo de forma fantástica. Não tem coerência, mas você não quer nem saber, porque cumpre a função do folhetim, de te pegar pela emoção. Tem essa série "How to Get Away with Murder", se a gente fizer isso em novela... A mulher mata uma pessoa, à noite, os alunos limpam tudo e quando chega a polícia, tá tudo limpo. Entendeu?

    Então quando dizem que você está viajando é um elogio?

    Acho triste. Para quem gosta de série é contrassenso. Vê "Dexter". Ele saía de noite, matava aquelas pessoas, voltava para casa para comer. E nunca vi ninguém perguntar como limpou tudo.

    Sente pressão para dar ibope?

    Não presto muita atenção nos números. E essa medição que tem hoje não abarca todos os espectadores, quem vê pela internet. Pra mim, o grande referencial é a voz das ruas. Janete Clair falava: "novela é paixão, você tem que amar e odiar, a única coisa insuportável é a indiferença". Se a novela é assunto, seja pra dizer que adora ou odeia, tudo bem.

    A jornalista viajou a convite da Globo

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