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    'Se não fosse o teatro, eu estaria de bengalas', diz Fernanda Montenegro

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    ENVIADA ESPECIAL A CURITIBA

    30/03/2017 14h07

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Fernanda Montenegro em cena da montagem 'Nelson Rodrigues por Ele Mesmo', em Curitiba
    Fernanda Montenegro em cena da montagem 'Nelson Rodrigues por Ele Mesmo', em Curitiba

    "Graças a Deus as pessoas não vão embora da peça", comenta Fernanda Montenegro no camarim logo após uma sessão de "Nelson Rodrigues por Ele Mesmo".

    O público de quarta (29), composto de estudantes de teatro, lotou os 658 lugares do teatro Bom Jesus. Houve quem esperasse desde as 5h para garantir um lugar na apresentação, que começaria seis horas depois e seria seguida de debate com a atriz. Na noite anterior, ela abrira o Festival de Teatro de Curitiba com sessão do espetáculo.

    Trata-se de uma leitura, feita só com uma mesa e uma cadeira e pontuada aqui e ali por música. Em cerca de uma hora e meia, a atriz lê crônicas do autor do livro homônimo organizado por Sonia Rodrigues, filha do dramaturgo.

    Num dos textos, Nelson lembra como a própria Fernanda lhe telefonou insistentemente por oito meses para convencê-lo a escrever uma peça para o Teatro dos Sete, companhia da atriz —daí nasceria "O Beijo no Asfalto" (1960). "Achei linda a obstinação da musa sereníssima", escreveu o dramaturgo.

    Fernanda, 87, fala de Nelson como um cronista "extraordinariamente tocante", do calibre de Carlos Drummond de Andrade ou Clarice Lispector. Lembra como de início o dramaturgo era incompreendido e renegado pela esquerda, que o via como alienado. "Ele era destituído de valor artístico, intelectual e moral."

    Durante o debate, comentou como à época de "Beijo" a plateia não reagia por discordâncias políticas, mas por um moralismo quanto aos temas abordados. "E hoje às vezes gritam um 'fora, Temer'", acrescentou. Logo ouviu espectadores responderem com o mesmo grito e levantou o dedo acompanhando o coro e repetindo a frase. "Mas esta eu provoquei, hein?"

    Ela, que no ano passado criticou a extinção do MinC (decisão logo revogada), se queixa de que a Cultura no país é relegada ao segundo plano. "Político tem medo da cultura. Na estrutura seca do mundo político, nós [artistas] sempre ficamos embaixo nas prioridades. Até eu fui chamada duas vezes para ser ministra da Cultura [nos governos Sarney e Itamar Franco]. A que ponto chegamos."

    "Também fomos muito fortes, resistimos. Não se esqueçam disso, nós estamos nas catacumbas. O ator hoje em dia, principalmente o do teatro da palavra, não vive mais de teatro. Ele faz teatro porque é uma vocação", comenta ela, que montou a peça, da qual faz sessões gratuitas, com uma verba "pequena" da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro de R$150 mil.

    Nas duas sessões em Curitiba, Fernanda emocionou-se bastante com a reação efusiva do público."Isso aqui [atuar] é uma contaminação, é uma doença. Eu tenho certeza de que, com a idade que eu estou, se não fosse o teatro, eu estaria de bengalas."

    A jornalista viajou a convite do Festival de Teatro de Curitiba.

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