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    'A Vigilante do Amanhã' se nutre de legado deixado por HQs dos anos 1980

    ROBERT ITO
    DO "NEW YORK TIMES"

    04/04/2017 02h07

    A abertura de"O Fantasma do Futuro", de 1995, contém um dos nascimentos mais fascinantes da história do animê. Entre números verdes flutuando em um espaço negro, um ciborgue feminino desperta. As pétalas de seu crânio se fecham em torno de seu cérebro como uma flor ao anoitecer.

    Seu corpo surge de uma gosma leitosa. Pode-se ver seus ossos sintéticos, sua pele, músculos, seios –tudo menos sua alma, o fantasma oculto no invólucro de alta tecnologia de um ciborgue.

    A questão sobre a possibilidade de um humano artificial ter alma ocupa posição central nesse clássico da animação –e fascina autores de ficção científica há décadas.

    Reprodução
    Cena de 'O Fantasma do Futuro', animação feita por Mamoru Oshii e lançada em 1995
    Cena de 'O Fantasma do Futuro', animação feita por Mamoru Oshii e lançada em 1995

    Mas a personagem central de "O Fantasma do Futuro", major Motoko Kusanagi, não quer nem ser vista como humana. Ela encontra o seu eu ao aceitar seu lado maravilhosamente sintético.

    Essa combinação entre metafísica e máquinas ajudou a fazer de "O Fantasma do Futuro" um dos mais populares e aclamados longas de animê vindos do Japão. Dirigido por Mamoru Oshii, o filme foi um sucesso lá e vendeu muito no circuito de vídeo dos EUA.

    Além da série de mangás que inspirou o filme original, "O Fantasma do Futuro" rendeu também séries de TV, romances, videogames e dois outros longas de animação.Boa parte desse material foi relançada antes da estreia de "A Vigilante do Amanhã".

    O filme chama Kusanagi só de major e sofreu críticas por ter Scarlett Johansson, e não uma atriz asiática ou de origem asiática, no papel. Vale examinar melhor as diferentes encarnações da história.

    O filme de 1995 foi uma adaptação da série de mangás de Masamune Shirow, que surgiu no Japão em 1989 como "Koukaku Kidoutai".

    A major ajuda uma equipe de operações especiais que persegue o Titereiro (no filme, o Puppet Master), um misterioso criminoso cibernético capaz de invadir cérebros de seres humanos e de ciborgues.

    No filme de Oshii, a major é introspectiva; nos quadrinhos (a Kodansha recentemente relançou as coleções), é mais chegada a uma festa.

    Os quadrinhos de Shirow são complexos e densos, com digressões sobre a segurança na computação, camuflagem termo-óptica e coisas afins.

    "Meus pais dizem que eu não gostava dessas coisas", diz Shirow por e-mail. "Mas me lembro de ter visto 'O Homem de 6 Milhões de Dólares' e 'A Mulher Biônica', na TV."

    Oshii abandonou as piadinhas e o esoterismo técnico em nome de um filme lírico.

    A major é excelente em seu trabalho, mas imagina o que sobraria de seu "fantasma" se ela deixasse seu posto e tivesse de devolver seu cérebro e seu corpo cibernético. "Não restaria muito", ela diz.

    ALMA

    A questão intriga e fascina os fãs desde 1995. "Eles não explicam, no filme, o que é o fantasma", diz Brian Ruh, autor de "Stray Dog of Anime: The Films of Mamoru Oshii". "A ideia é a de que se trate de uma alma, mas o diretor é ambíguo quanto a isso".

    Oshii diz via e-mail que sentiu "após ser entrevistado pela imprensa internacional, que a ideia de 'fantasma', facilmente compreensível pelos japoneses,ainda não é compreendida no Ocidente".

    A série de TV " Ghost in the Shell: Stand Alone Complex", que começou em 2002, existe em um universo e linha do tempo diferentes daqueles dos filmes e mangás.

    Numa temporada, a trama girava em torno de refugiados no Japão. "O vilão manipula a opinião pública para que veja os refugiados como ameaça, a fim de promover a remilitarização do país", diz Ruh.

    A nova versão da história aproveita elementos dos livros, filmes e séries de TV.

    As gueixas robóticas assassinas do filme foram inspiradas pela série e pela sequência do filme original, de 2004. O vilão, Kuze, veio da série, e a sequência do nascimento da major se inspira diretamente na visão de Oshii em 1995. E, sim, há refugiados.

    "Não refilmamos o original de 1995", diz o diretor Rupert Sanders. "Oshii foi claro, disse que deveríamos fazer algo que se encaixasse no legado de 'O Fantasma do Futuro'."

    Com os relançamentos atuais, os fãs poderão estudar os diversos formatos do produto. Para os puristas quanto ao mangá, a mais recente edição em inglês dos quadrinhos tem painéis formatados para leitura da direita para a esquerda, como nos originais. A editora também manteve as onomatopeias japonesas para os sons. A série de TV tem referências a "Taxi Driver" e algo que remete a Donald Trump. E o original de 1995 continua lindo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa
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