Uma névoa cobre a narrativa de "Noite Dentro da Noite", novo livro do escritor Joca Reiners Terron. É como se o leitor só pudesse ver o que se passa de forma embaçada.

O primeiro motivo do estranhamento é o narrador aparecer na segunda pessoa –um artifício formal incomum na tradição do romance. E não como alguém que conta sua história a outra pessoa. Aqui, na verdade, ele conta a história do protagonista ao próprio protagonista.

O leitor não sabe direito quem é a voz que conta tudo o que acontece. Há pistas, como uma frase na segunda página: "Esta história é sobre você, mas vai contá-la como se fosse sobre outro."

O ar enevoado reflete a condição do personagem, cuja história é inspirada num episódio da vida de Terron, que na infância bateu a cabeça durante uma brincadeira de pique-esconde e passou a sofrer convulsões. Como resultado, o autor passou a ser medicado com barbitúricos que turvavam sua percepção.

Nos anos que se seguem ao episódio, as memórias do personagem ficam embaralhadas –e ele duvida que seus pais sejam mesmo seus pais.

"O David Bowie dizia que não se lembrava direito dos anos 1960 por causa da drogas. Eu também passei a infância drogado", diz Terron.

Como o personagem principal, o leitor também se sente confuso com o fato de a família se mudar em fuga para o Mato Grosso, chegando a uma cidade na fronteira com o Paraguai –onde o exército brasileiro perdeu uma importante batalha na guerra contra aquele país, no século 19.

Lá, fala-se uma mistura de português, espanhol e guarani. E os fantasmas da guerra –literal e metaforicamente– surgem no livro.

"[Enquanto escrevia], pensava estar fundando o gótico pantaneiro. Ou o niilismo mágico", ri o autor. "É que a região fronteiriça inexiste na nossa tradição literária."

O romance também usa o mistério para manter a narrativa em tensão. A chave para entender tudo parece estar no místico e tradutor alemão Curt Meyer-Clason, figura real que foi importante para a difusão da letras latino-americanas no mundo (ele traduziu de Guimarães Rosa).

Nos anos 1940, Meyer-Clason foi preso no Brasil, acusado de ser um espião nazista. No antigo presídio de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, ele se apaixonou pela literatura.

"Ele morreu sem nunca ter assumido ter sido um espião nazista. Mas pesquisadores hoje concluem que poucos prisioneiros da ilha eram inocentes", afirma Terron.

"De todo modo, o que me interessa na figura é o fato de ele ter uma vida dentro de outra vida. Ele negou o que viveu até sair da prisão, como muitos nazistas."

Noite Dentro Da Noite

JOCA TERRON

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Não à toa Terron se interessou pelo personagem: um dos principais temas do romance, diz, é a identidade –além de outros, que ele cultiva desde sempre.

NOITE DENTRO DA NOITE
AUTOR Joca Reiners Terron
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 64,90 (464 págs.)
LANÇAMENTO Nesta quarta (5), às 19h, na Livraria Tapera Taperá, av. São Luiz, 187, 2º andar, loja 29, tel. (11) 3151-3797