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    ANÁLISE

    Canadense Rupi Kaur é filha perfeita de tempos instantâneos

    FRANCESCA ANGIOLILLO
    DE EDITORA-ADJUNTA DE CULTURA

    08/04/2017 02h00

    Em geral poesia vem em versos, mas também o que não vem em versos pode ser poético. Isso não faz do reverso verdadeiro: nem tudo que está em versos é poesia. Chamar um texto de poesia, contudo, costuma conferir status ao que ele transmite.

    A associação poeta/profeta, a ideia de que haja seres capazes de expressar um entendimento superior, é anterior ao advento de Rupi Kaur e outros instapoets –escritores que, como a canadense nascida na Índia, se autopublicam em redes sociais.

    O sucesso de Rupi Kaur vem sendo esgrimido na mídia como a prova de que poesia vende. Rupi Kaur vende, mas será poesia?

    Vídeo promocional do livro "Outros Jeitos de Usar a Boca", de Rupi Kaur

    Seus escritos, didáticos, se definem por serem diretos ao grau da candidez, sem espaço para ambiguidades ou outra brecha de sentido.

    Declarar em vez de inquirir (até o ponto de interrogação some) é característica que sua escrita compartilha com a de outros da mesma geração.

    Não deveria ser preciso classificar essa escrita como poesia para justificar seu apelo. Ele se explica por outros aspectos que não a forma; ele se explica por ser Rupi Kaur, aos 24 anos, uma filha perfeita de nosso tempo.

    É notável que se dê hoje pouco espaço à dúvida. Perdidos entre debates que parecem de vida e morte, mas que se autoeliminam diariamente, ansiamos por certezas. Queremos um conhecimento acabado de um mundo que não se deixa apreender.

    Ao tocar temas atemporais (o amor, a ruptura amorosa) e outros que estão no centro de boa parte desses debates (abuso, trauma, condição feminina) com linguagem ligeira e breve, Kaur responde de forma apta a esse anseio.

    Ela fornece pílulas de empoderamento (palavra que outro dia parecia tão estranha) a quem não se autoempoderou.

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    A autora afirma se espantar por mulheres brancas de 50 anos se sentirem tocadas por sua escrita –o que a reveste de um suposto (e bem desejável) caráter universal, mas diz mais sobre como se percebe a grande massa indistinta das mulheres do que sobre a amplitude de seus textos.

    Haveria ainda a discutir o segundo rótulo, que vem definir essa escrita ao lado de "poesia" –"feminista". Não basta tocar em temas caros ao debate feminista para ser feminista. Eis outra questão de nossos tempos instantâneos.

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