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    Crítica

    Rubem Fonseca parece encher obra com esboços tirados do lixo

    SÉRGIO RODRIGUES
    COLUNISTA DA FOLHA

    08/04/2017 02h06

    Ricardo Borges/Folhapress
    Autor Rubem Fonseca discursa durante cerimônia de premiação na ABL, realizada em 2015
    Autor Rubem Fonseca discursa durante cerimônia de premiação na ABL, realizada em 2015

    CALIBRE 22 (ruim)
    QUANTO: R$ 39,90 (208 págs.)
    AUTOR: Rubem Fonseca
    EDITORA: Nova Fronteira

    Aquele que talvez seja o maior escritor brasileiro vivo lança um livro novo e, surpresa, o país não para o que está fazendo para prestar atenção.

    Há mais de uma década, a cada dois anos, a cena se repete. Isso é triste, sobretudo porque o Brasil, com seu lendário descaso pela literatura, não tem culpa. A culpa é de Rubem Fonseca mesmo.

    "Calibre 22" é mais um título ruim de um autor que, nos anos 1960 e 1970, plantou um monumento atrás do outro na planície do conto brasileiro.

    O estouro veio com a censura ao livro "Feliz Ano Novo", em 1975, mas desde a estreia com "Os Prisioneiros", em 1963, os livros daquele ex-comissário de polícia eram o que havia de mais forte na paisagem.

    Se Dalton Trevisan, o ácido cantor do provincianismo, disputava com ele o título de maior contista do país, Fonseca levava a vantagem de estar apontado para o futuro como uma bazuca.

    Ninguém viu antes dele o país que nascia da urbanização desenfreada, onde, liberta dos freios semifeudais, nossa desigualdade obscena gerava o monstro social que hoje é maior que Godzilla.

    A estética amoral, com influência do policial americano, achatava a dimensão psicológica entre baixos instintos e pressões de um meio violento. Mais que verdadeiro, soava visionário.

    Vieram os romances dos anos 1980 e 1990, de menor voltagem estética mas ainda vigorosos, e Fonseca tornou-se um animal raro: um escritor sério que era também popular. Criou uma mitologia e projetou sobre a literatura brasileira a sombra comprida de sua influência.

    Charutos, anões, machismo, o advogado Mandrake, milionários torpes, psicopatas justiceiros, erudição enciclopédica copia-e-cola, assassinatos fáceis como num videogame –suas marcas registradas continuam presentes, mas parecem trejeitos de um imitador.

    Há momentos em que o tom desprovido de ênfase que virou sua assinatura aspira à paródia, lembrando Ed Mort.

    A prosa rala tem um inacabamento que a edição pobre espelha: é gritante o descaso autoral, o descarte das etapas de reflexão, adensamento, edição.

    CONSTRANGEDOR

    São minoria os contos de "Calibre 22" que podem ser chamados de corretos. A maior parte vai do trivial ao constrangedor. Alguns, como "Pródromo", "Outro Anão" e "Ópera, Foder e Sanduíche de Mortadela", parecem esboços malogrados que o autor resgatou do lixo para fazer volume.

    Calibre 22
    Rubem Fonseca
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    Não sei se haverá escárnio por trás disso; perda de fé na literatura, certamente. O conto "Camisola e Pijama" traz uma chave: em trama pueril, um sujeito é endeusado pelos críticos após escrever às pressas um conto idiota.

    Moral: "Toda a literatura e tudo o que se escrevia era sempre a mesma merda".

    Aos 91 anos, Fonseca é e sempre será um grande escritor, mas só fãs menos exigentes terão prazer com o novo livro. Os outros leitores, fãs ou não, devem ler ou reler as obras-primas do passado. Nem toda a literatura é "a mesma merda".

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