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    Crítica

    Solo de Andrea Beltrão amortece força reflexiva de 'Antígona'

    VALMIR SANTOS
    ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

    10/04/2017 02h09

    Após aplauso efusivo, Andrea Beltrão dispõe-se a conversar sobre o monólogo que acaba de apresentar. Ninguém ousa a palavra e a coisa fica por aí.

    A essência da tragédia contemporânea talvez esteja nessa indiferença do público, fruto da incapacidade dos artistas chegarem a bom termo em suas escolhas estéticas na primeira das duas sessões de "Antígona" no Festival de Curitiba.

    Parte dos espectadores tem postura inversa no início do espetáculo, celulares em punho, ávidos por selfies ao lado da protagonista que já flana nos corredores da plateia disponível para as abordagens. O "prólogo" é de pose e sorrisos.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Andrea Beltrão encena 'Antígona', com direção de Amir Haddad, no Festival de Curitiba
    Andrea Beltrão encena 'Antígona', com direção de Amir Haddad, no Festival de Curitiba

    Há algo de errado em acionar Sófocles por meio do tradutor-adaptador Millôr Fernandes e a reflexão soar amortecida quanto à condição humana e sua inexorabilidade política.

    Encorajada pelo diretor Amir Haddad, Andrea arrisca relação direta com o público sob escala espacial pelo menos dez vezes maior do que aquela do teatro Poeirinha, no Rio, onde estreou em 2016 –o curitibano Bom Jesus possui 658 lugares.

    O espírito de feira é próprio de Haddad nas praças que frequenta há 27 anos com o grupo Tá na Rua.

    Mas aqui a distensão mina a capacidade de síntese da atriz que concentra todos os personagens e o coro. O mito desaparece nos modos de narrar e atuar.

    Filha do incesto de Édipo e Jocasta, Antígona contraria ordem oficial do rei de Tebas, Creonte, que veta o enterro de um dos irmãos dela, Polinices, por considerá-lo traidor. O primogênito morre em campo de batalha vítima do caçula Etéocles, que tampouco sobrevive ao enfrentamento pelo poder.

    A linha de tempo recua, avança ou presentifica o período do nascimento à morte da cidade grega através daqueles que a habitam em incestos, martírios, tiranias e pelejas como a antítese família e Estado.

    No fundo do palco, cartazes perfilados representam alguns desuses e a linhagem de mortais que cumpriram destinos trágicos.

    Esse despojado varal genealógico é revelador do quão a estratégia do precário pode, ela também, trair poéticas.

    ANTÍGONA

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