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    Exposição de Maurício Lima mostra elo do fotógrafo com refugiados sírios

    PATRICIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    12/04/2017 02h00

    Depois de três semanas cruzando a Europa com os Majid, a repórter Anemona Hartocollis decidiu que era hora de se despedir da família de sírios e voltar para casa.

    Mas seu colega Mauricio Lima se recusou a deixar os refugiados, que haviam saído da Síria em busca de uma vida melhor na Suécia. Os Majid não eram simplesmente personagens de uma reportagem do jornal New York Times. Não eram apenas "seus fotografados". Ele não podia ir embora.

    O fotógrafo Mauricio Lima passou 29 dias com os Majid em 2015. E voltou três vezes a Backhammar, cidade na Suécia onde eles estão morando.

    A exposição "Farida, um conto sírio", que será aberta nesta quarta-feira (12) no MIS, é resultado do vínculo profundo que se formou entre o fotógrafo brasileiro e a família síria.

    São 33 fotos, a maioria delas nunca publicadas, que mostram a saga de milhões de refugiados por meio da jornada da família Majid.

    A mãe de Farida Majid, a menina que dá título à exposição, estava grávida quando saiu da Síria. Farida, cujo significado em árabe é "única", nasceu na Suécia.

    "Farida foi a experiência única que todas aqueles refugiados, principalmente os sírios, tiveram em 2015", diz Lima.

    Lima, que é freelance e colabora frequentemente com o New York Times, e seus colegas Sergey Ponomarev, Tyler Hicks e Daniel Etter, ganharam o prêmio Pulitzer na categoria Breaking News Photography em 2016.
    Lima foi o primeiro brasileiro a ganhar o Pulitzer. O prêmio se soma a vários outros que Lima colecionou ao documentar a vida pessoas afetadas por conflitos, entre eles o World Press Photo.

    O fotógrafo não gosta de dar entrevistas, nem de aparecer. Enquanto fala, frequentemente olha para o chão e pontua as frases com longos silêncios. Ele admite que sua timidez é um dos grandes desafios do trabalho, que exige uma ligação profunda com as pessoas retratadas.

    Ele dedicou 2015 a documentar a crise de refugiados. Passou 38 dias entre o norte da Síria e o Iraque, depois visitou as principais fronteiras atravessadas pelos refugiados - Turquia, Grécia, Bulgária, Macedônia, Sérvia, Croácia e Hungria - e os destinos finais ou rotas, como Áustria, Alemanha, Suécia e Noruega. Ficou uma ou duas semanas em cada lugar, no total de seis meses.

    Conheceu os Majid em Belgrado, na Sérvia, e se sentiu aceito desde o primeiro contato. Os sírios não falavam inglês. Conversavam em curdo entre si e árabe com outros refugiados.
    Com Lima, a comunicação se dava através de olhares, gestos e o pouco de árabe que o fotógrafo aprendeu em suas andanças pelo Oriente Médio.

    "Você atinge um determinado estágio na relação com as pessoas em que você passa muitas vezes despercebido, estabelece uma intimidade."

    Na maior parte do tempo, o fotógrafo observava. Os momentos de levantar a câmera eram poucos. É assim que Lima trabalha. Usa uma única lente, 35 mm, o que o obriga a chegar mais perto, sempre.

    Metódico, o fotógrafo checa a luz, as sombras e os contrastes das fotos que estarão na exposição do MIS. Passou os últimos 25 dias trancado em um estúdio acompanhando a impressão das imagens.

    "Veja aqui, o olhar deste menino, é o olhar de uma criança? Este senhor aqui fazia questão de andar com a camisa impecável e os sapatos engraxados", diz ele, mostrando uma foto que fez dos Majid caminhando ao longo de um trilho de trem na Sérvia. Ele dormia com a família nos campos de trigo.

    Parte da família Majid virá para o Brasil participar de uma palestra no dia 4 de maio, no MIS. Os irmãos Ahmad e Farid, com os filhos Zain e Widad (irmãos de Farida) e Nabih.

    O fotógrafo está desanimado. Quando Donald Trump ganhou a eleição americana, Lima se sentiu "um inútil", em suas palavras.
    Teve uma sensação de déjà-vu quando soube que os EUA haviam bombardeado a Síria, acusando o ditador Bashar al Assad de ter usado armas químicas contra civis. Lima foi para o Iraque em 2003, pouco depois de os EUA invadirem o país, acusando o ditador Saddam Hussein de ter armas químicas.

    O Brasil tampouco o reconforta. Ao receber o prêmio do Overseas Press Club em 2016, também pelo trabalho com refugiados, fez um protesto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e levantou um cartaz onde se lia "golpe nunca mais". Agora, sob o governo Michel Temer, está no Brasil para inaugurar sua primeira individual em um museu. "Que governo?" ele pergunta.

    Algumas coisas, porém, o convencem de que seu trabalho pode fazer alguma diferença.
    Ele acredita que as reportagens publicadas sobre os Majid ajudaram a acelerar o processo de concessão de refúgio na Suécia, por exemplo.

    ÍDOLO

    Foi também em 2015, em Idomeni, cidade na fronteira da Grécia com a Macedônia onde milhares de pessoas lotavam campos de refugiados, que Lima conheceu seu ídolo, o fotógrafo americano James Nachtwey.

    Nachtwey, 69, é um dos maiores fotógrafos de guerra da História.

    Quando o americano fez uma pausa para olhar seu celular, Lima foi cumprimentá-lo. E se apresentou.

    "Quando falei meu nome para ele, ele me agradeceu pelo que eu faço...desabei", diz Lima, sem conter as lágrimas

    O brasileiro começou fotografando esportes e depois trabalhou na agência de notícias France Press por 11 anos. Hoje é independente e colabora frequentemente com o New York Times.

    Desde 2003, leva vida nômade. A coisa mais próxima que tem de um lar é o apartamento do pai, em São Paulo, onde fica de vez em quando.

    Lima continua documentando a saga dos refugiados. Seu objetivo agora é mostrar as consequências do ano de 2015: a vida dessas pessoas na Europa.

    Parte do trabalho é despertar as pessoas entorpecidas pela profusão de notícias e fotos sobre refugiados. E acabar com esse ativismo de Instagram, de pessoas que acham que dar um "like" vai resolver o problema.

    "Fico incomodado com essa coisa de colocar uma foto ali e a pessoa apertar um coraçãozinho e achar que já está fazendo alguma coisa; o coração dela tem que apertar de verdade para ela tentar fazer algo para reverter a situação; não adianta simplesmente apertar um coraçãozinho", diz Lima.
    "Não tem sentido a gente colocar a situação desses refugiados em tanta evidência por nada; as pessoas precisam se conscientizar de que isso não deveria continuar a acontecer."

    Essa conscientização é elusiva. Muitas pessoas ainda não entenderam que, se pudessem, esses sírios, afegãos, iraquianos e tantos outros não teriam saído de suas casas.

    A exposição no MIS é encerrada com uma frase de Ahmad, um refugiado de Aleppo que Lima encontrou na estação de Keleti, em Budapeste, na Hungria.

    Ahmed estava na fila para comprar passagem para a Alemanha, quando começou um tumulto e ele abordou Lima.
    "Eu preciso que o senhor me ouça, preciso lhe dizer uma coisa: Eu não quero ir para a Alemanha. Eu preciso ir para a Alemanha. Diga a eles para pararem a guerra no meu país, que eu volto para casa amanhã."

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