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    Crítica

    'Pagliacci' da LaMínima é tocante elogio ao circo-teatro

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    13/04/2017 03h17

    Paulo Barbuto/Divulgação
    Fernando Sampaio e Alexandre Roit em cena da montagem inspirada na ópera de mesmo nome de Ruggero Leoncavallo
    Fernando Sampaio e Alexandre Roit em cena da montagem inspirada na ópera de mesmo nome de Ruggero Leoncavallo

    O nome de Domingos Montagner (1962-2016) não é mencionado em "Pagliacci", mas ele é percebido, sem parada, em 1 hora e 20 minutos de apresentação. O espetáculo é engraçado e triste, sem limite entre os dois lados.

    Começa com um prólogo interpretado pelo palhaço semiaposentado e agora dramaturgo Peppe, feito com grande empatia por Fernando Paz. Ele avisa que não se trata de ópera, do conhecido dramalhão do século 19 sobre traição e morte, mas de circo-teatro mesmo.

    "A vida não é uma ópera, como queria Machado de Assis, mas um circo, e somos todos palhaços", nas palavras do prólogo, escrito pelo dramaturgo Luís Alberto de Abreu.

    Para deixar bem claro do que se trata, Peppe toca então num serrote a ária mais conhecida da ópera de Leoncavallo, celebrizada por Pavarotti, "Vesti la Giubba", algo como "vista o figurino".

    A ópera remetia à commedia dell'arte, à trama de infidelidade e vingança do triângulo de Pierrô, Colombina e Arlequim, apresentado numa peça-dentro-da-peça.

    O tocante e preciso "Pagliacci" de Abreu, que foi convidado a escrever o texto por Montagner, segue a estrutura, mas não é drama e sim, majoritariamente, comédia popular brasileira, gênero que trabalhou como ninguém, no teatro contemporâneo.

    Seus temas levam ao circo-teatro renegado pelo teatro sério, na história do palco e da rua no Brasil. Seu "Pagliacci" não condena mais Colombina; o alvo agora é o opressor Pierrô, numa moral para o século 21, não o 19.

    Juntando forças como Chico Pelúcio na direção, Marcelo Pellegrini na direção musical, Marcio Medina e Maristela Tezlaf na cenografia, entre outras, o espetáculo pode ser visto como o cume não só dos 20 anos da Cia. LaMínima mas de todo o movimento que reaproximou o teatro do circo e da rua nas últimas três décadas no Brasil.

    E o coração da história é o palhaço; aliás, dois. Está também no texto: "Um palhaço nunca anda sozinho, gosta de estar em dupla. Um aceita ser tolo, o outro não se reconhece como tal. Um sobe e desce na escada que é o outro. Quando o outro se apaga, um pode brilhar".

    A dupla da Cia. LaMínima era formada por Fernando Sampaio e Montagner. É provável que viveriam desta vez Silvio/Arlequim e Canio/Pierrô, respectivamente, o palhaço que aceita ser tolo e o que não se reconhece como tal.

    Sem Montagner, a dupla é agora formada por Sampaio e Alexandre Roit –este da dupla original dos Parlapatões e um dos muitos artistas que, tanto no palco como nos bastidores, se uniram para tornar este "Pagliacci" uma celebração tão singular.

    Roit é especialmente pungente no papel. Keila Bueno, conhecida do teatro musical, dá à sua Nedda/Colombina romantismo e uma sensualidade contida. Filipe Bregantim, palhaço também ele, é quase um personagem de filme mudo, como Tonio. A palhaça Carla Candiotto, como Strompa, "mais forte do que Monga, a mulher-gorila", arranca aplausos em cena aberta.

    Mas é Sampaio que brilha agora, que morre e renasce, que faz chorar e rir.

    *

    PAGLIACCI
    QUANDO: qui. a sáb., às 20h; dom., às 19h; até 2/7
    ONDE: Sesi - Centro Cultural Fiesp, av. Paulista, 1.313, tel. (11) 3146-7406
    QUANTO: grátis; 14 anos
    AVALIAÇÃO: ótimo
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