• Ilustrada

    Sunday, 05-May-2024 14:35:44 -03

    RuPaul vê reality de drags, que estreia no Brasil, como manifesto político

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    16/04/2017 02h25

    RuPaul não é uma diva. "Essa palavra se banalizou demais", diz a drag queen mais famosa do planeta. "É um termo que detesto, que só quer dizer qualquer um com pretensão de subir num palco."

    Mais do que pretensão -e isso ele diz há nove anos na televisão- palcos, câmeras e passarelas exigem "carisma, singularidade, atitude e talento", atributos com letras iniciais que, em seu célebre bordão em inglês, soletram um sonoro "cunt" -ou boceta mesmo.

    Mas não são vaginas ou pênis, no sentido biológico da coisa, que estão no centro de "RuPaul's Drag Race" -seu reality show está agora na nona temporada nos Estados Unidos e acaba de estrear no país na tela do Comedy Central, que ainda mostra os episódios do ano passado.

    Divulgação
    RuPaul, apresentador do reality 'RuPaul's Drag Race', que estreia agora no Comedy Central
    RuPaul, apresentador do reality 'RuPaul's Drag Race', que estreia agora no Comedy Central

    "Não diria que o objetivo de uma drag queen é se parecer ao máximo com uma mulher", ele esclarece. "Estamos falando de uma feminilidade sintética. Mulheres de verdade não se vestem desse jeito. Isso é um comentário sobre a ideia do feminino. E há uma grande ironia, quase uma traição dentro de uma cultura machista, de um homem rejeitar padrões de masculinidade."

    Essa rejeição, aliás, é plástica e fantástica, com vestidos inimagináveis, perucas que desafiam a gravidade e maquiagem capaz de transformar todos em estrelas de Hollywood.

    Usina de produção de memes hilários, a competição comandada pelo californiano para revelar a próxima "superstar drag" da América também teve outro efeito além de se firmar como plataforma de ascensão da cultura das queens ao auge da popularidade.

    Nos últimos anos, o reality vem se mostrando cada vez mais político, virando uma arena em que tabus como preconceito e crimes de ódio, como o atentado que matou 50 pessoas numa boate gay nos Estados Unidos no ano passado, são discutidos entre plumas e paetês.

    "O drag sempre foi político, só que no nível da emoção", diz RuPaul. "Pessoas nesse planeta são criadas num sistema que as força a escolher uma identidade e se prender a ela. O drag é o oposto disso, ele afirma que você pode mudar e ser o que quiser a cada minuto. E isso é político e revolucionário."

    Na ressaca da eleição de Donald Trump à Casa Branca, RuPaul acredita que a cultura drag, que tem em seu programa a maior vitrine de todos os tempos, deve se firmar cada vez mais como espécie de célula de resistência não só à discriminação contra homossexuais e transexuais, mas também à misoginia e à violência doméstica.

    "Agora que a poeira baixou um pouco, e essa administração em Washington parece estar implodindo a cada dia que passa, desmoronando mesmo, estou mais otimista", afirma. "Isso tudo acendeu um fogo numa juventude que não sabia o quanto de luta existiu no passado para que algo como o 'Drag Race' pudesse passar na televisão."

    Seu orgulho do reality que o devolveu aos holofotes depois de décadas ralando em boates do underground nova-iorquino, aliás, leva a constatações um tanto hiperbólicas.

    "O programa criou toda uma estética, uma tribo, uma comunidade global muito conectada", diz RuPaul. "Mudou a estrutura molecular de como os jovens se enxergam. Eles podem ser mutantes, ter uma sexualidade fluida.
    Essa é a grande mudança."

    Mesmo que esse impacto do reality seja talvez mais evidente só para seu criador, é fato que "Drag Race" se tornou um fenômeno de audiência -a estreia da última temporada nos Estados Unidos teve 1 milhão de espectadores, recorde absoluto para o programa- e abriu espaço na cultura pop para expressões de gênero menos estanques, mais híbridas.

    DESCONSTRUÇÃO
    Essa desconstrução também surge nos looks das drags, que deixaram de buscar o aspecto de princesa para embaralhar arquétipos de feminilidade -já houve até queens de barba ou super-rechonchudas, distantes da magreza imposta pela indústria da moda.

    RuPaul, que já ostentou belas e longuíssimas pernas depiladas, também vem adaptando o guarda-roupa para refletir uma feminilidade recatada, com vestidos mais longos, mas não menos exuberantes. Tem a ver, ele diz, com o fato de ele não ser mais uma garotinha do drag e sim a "grande dame" desse mundo.

    Beirando os 60, RuPaul parece estar pronto para assumir o posto de matriarca do drag, mesmo não tendo perdido o contato com os anos -suados e dourados- da juventude.

    Essa época em que tudo era mais difícil, a década de 1980 em Nova York, será pano de fundo de uma série sobre sua vida nos inferninhos de Manhattan, produzida pelo todo-poderoso J. J. Abrams, criador de "Lost" e diretor do último filme da série "Star Wars".

    Será um retrato, RuPaul diz, do valor máximo que norteou sua vida até agora -o glamour. "Minha ideia de glamour é competência e beleza extrema, excessiva. A beleza, mesmo sintética, é importante para me manter centrado neste planeta. É minha base."

    RUPAUL'S DRAG RACE
    QUANDO aos sábados, às 23h
    ONDE Comedy Central

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024