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    Roteiristas de Hollywood começam votação sobre greve na quarta

    BROOKS BARNES
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    18/04/2017 12h36

    Monica Almeida/The New York Times
    Membros do Writers Guild of America (sindicato dos roteiristas dos EUA) em greve de 2007
    Membros do Writers Guild of America (sindicato dos roteiristas dos EUA) em greve de 2007

    Em Hollywood, a ameaça de uma greve está perto de se concretizar.

    Na quarta-feira (19), os roteiristas de televisão e cinema —quase 12 mil profissionais, todos membros da Writers Guild of America (sindicato dos roteiristas dos EUA)— começarão a votar sobre a possível paralisação. A votação online vai se encerrar na segunda (24). Se os roteiristas aprovarem a greve, o que quase certamente acontecerá, e não surgir um acordo com estúdios antes de 1º de maio, eles vão parar de digitar e começarão a fazer piquetes.

    Uma greve poderia ter implicações sérias. Quando os roteiristas pararam, uma década atrás, o impasse custou US$ 2,5 bilhões à economia de Los Angeles, segundo estimativas. Com a suspensão de produções, a renda não só dos roteiristas mas dos cenaristas, fornecedores de refeições, motoristas de limusines e floristas sofreu um baque. Os fãs tampouco gostaram da ideia, porque a programação de TV se transformou em um mar de reprises.

    Eis o que você precisa saber sobre a nova greve.

    Qual é a probabilidade de greve?

    Negociadores veteranos de Hollywood —agentes, executivos de estúdio, advogados trabalhistas— estimam a probabilidade em cerca de 51%. Mas a situação muda a cada dia.

    Os ânimos se acalmaram (um pouco) na semana passada, quando os negociadores da Writers Guild e da organização que representa os estúdios, a Alliance of Motion Picture and Television Producers, conseguiram algum progresso quanto ao aumento de salários. Mas há pelo menos uma questão radiativa ainda não resolvida: os benefícios de saúde.

    E o sindicato pode facilmente se enraivecer diante de qualquer notícia incômoda. Em 7 de abril, por exemplo, os escritores sindicalizados se enfureceram quando a rede de TV CBS revelou, em documentos encaminhados às autoridades financeiras, que seu presidente-executivo, Leslie Moonves, havia recebido pagamento de US$ 69,6 milhões em 2016, com 22% de aumento ante o ano anterior —um ano em que a companhia não se saiu bem.

    Como a greve afetaria a televisão?

    Os programas de entrevistas e humor de final de noite passariam a exibir reprises imediatamente. Reality shows que costumam ser exibidos fora da temporada regular, como "Big Brother", manteriam sua agenda —os roteiristas que trabalham neles o fazem sob um contrato diferente—, mas algumas séries roteirizadas provavelmente teriam de adiar suas temporadas. Uma greve seria grande problema para as novelas diurnas, que exibem episódios novos quase todos os dias, a menos que os produtores contratem roteiristas não sindicalizados, algo que aconteceu na greve passada.

    Mas também pode haver consequências maiores. A maioria das redes de TV vem perdendo telespectadores, à medida que serviços como a Netflix e a Amazon ganham popularidade, Uma greve poderia acelerar essa transição. Os serviços de streaming de vídeo têm algumas séries importantes prontas a estrear —temporadas novas de "Orange Is the New Black" e "Stranger Things" na Netflix, por exemplo— e ampla oferta de programas mais antigos.

    As redes ABC, CBS, Fox e NBC também devem mostrar seus programas para a nova temporada em eventos de venda antecipada de publicidade marcados para a metade de maio em Nova York. Mas, como tentar seduzir anunciantes em meio a piquetes? "Dado o crescimento já anêmico da publicidade televisiva, qualquer incerteza sobre a nova temporada que deve estrear em setembro provavelmente forçaria os anunciantes a expandir a verba que dedicam a plataformas digitais", escreveu um analista do banco Barclays em relatório divulgado na semana passada.

    E quanto ao cinema?

    No começo, as coisas continuariam sem grandes mudanças. Porque a produção de filmes de grande orçamento demora anos, as estreias programadas para o verão dos Estados Unidos (junho a agosto) chegariam como planejado. Filmes cujos roteiros já estejam prontos —ou talvez um pouco menos que prontos— teriam sua produção iniciada. Os executivos de cinema só começaram a se preocupar, na greve passada —acontecida no inverno norte-americano—, quando a paralisação ameaçou prejudicar a entrega do Oscar, uma importante plataforma de marketing.

    Quanto tempo a greve poderia durar?

    Difícil saber. A Writers Guild ficou em greve por cem dias em 2007-2008, e por 155 dias em 1998. Nos dois casos, os roteiristas mais requisitados por fim se cansaram de perder renda e pressionaram pelo fim da paralisação. (Milhares dos membros do sindicato estão desempregados.)

    Por que os roteiristas estão irritados? Com o boom nas séries roteirizadas, eles não estão trabalhando como nunca?

    Há com certeza mais séries produzidas por pessoal sindicalizado —pelo menos 300 delas na temporada passada, ou cerca de 40% mais do que nos dois anos anteriores. Mas as redes de TV estão encomendando menos episódios por temporada (entre dez e 13) do que no passado (quando encomendavam entre 22 e 24). Assim, escrever para uma série agora gera menos renda.

    Ao mesmo tempo, uma cláusula de exclusividade nos contratos significa que um roteirista só pode escrever para uma série por vez, o que o tira do mercado por até um ano. E além disso, reprises já não atraem tantos telespectadores, o que limita os pagamentos residuais.

    Os roteiristas de cinema dizem que estão sendo prejudicados porque os grandes estúdios vêm produzindo menos filmes. Os estúdios também reduziram seu investimento no desenvolvimento de roteiros, ou seja, no trabalho de reescrever e refinar roteiros em busca de um resultado melhor.

    O que o sindicato quer?

    Os negociadores começaram o processo com uma longa lista de exigências, entre as quais o relaxamento da cláusula de produtividade, mas em resumo eles querem aumento de salário e que os estúdios contribuam mais para seu plano de saúde.

    Os aumentos seriam relativamente fáceis. O sindicato dos diretores fechou acordo com os estúdios para um novo contrato de três anos, em janeiro, e os roteiristas devem receber aumento equivalente. Mas a questão do plano de saúde é complicada. Em parte por oferecer benefícios muito generosos, o plano de saúde do sindicato dos roteiristas vem acumulando pesados deficit. O sindicato quer que os estúdios banquem essa diferença.

    Por que os estúdios não cedem?

    As empresas de cinema e TV enfrentam um futuro incerto. Os consumidores estão deixando de lado seus pacotes caros de TV a cabo ou mesmo cancelando-os de vez. Aparelhos que permitem assistir programas sem comerciais estão dificultando as vendas de publicidade. O dinheiro que costumava ser gerado pelos DVDs continua evaporando. A audiência nas salas de cinema está estagnada.

    Os estúdios também insistem em que os roteiristas aceitem mudanças fundamentais no plano de saúde do sindicato, para evitar futuros pedidos de resgate.

    Por que são sempre os roteiristas que fazem greve?

    Como regra, os diretores costumam ser bem pagos e se consideram valorizados pelas empresas do setor de entretenimento, e o sindicato dos atores está sempre dividido por disputas internas. Com isso, restam os roteiristas.

    De acordo com historiadores, a fricção entre os "escribas" e os estúdios remonta ao final da era do cinema mudo. Os estúdios de repente começaram a precisar de roteiristas capazes de criar diálogos bem-humorados, e por isso importaram escritores nova-iorquinos.

    Mas costumavam tratar os roteiristas —ou pelo menos é isso que estes parecem sentir desde então— como estenógrafos descartáveis.

    Em outras palavras, os roteiristas veem seu trabalho como expressão artística. Já os estúdios em geral o veem como comércio.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa
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