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    Laerte joga purpurina no ventilador em filme sobre sua trajetória trans

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    22/04/2017 02h30

    Foram os quadrinhos que deram a deixa: a cartunista Laerte era uma nova mulher.

    Lá por 2005, Hugo, o personagem que se travestia de Muriel, tinha perdido a graça. Vestir-se de mulher não era mais mote para piada nas tirinhas. Uma amiga, desconfiada, deu a letra: "Laerte, a sua anágua está aparecendo". A cartunista concorda: "É, eu não conseguia mais esconder esse meu desejo".

    "Laerte-se", documentário que será exibido neste sábado (22) no festival É Tudo Verdade, descortina a trajetória trans da cartunista da Folha. O filme é o primeiro longa brasileiro da Netflix e entrará no catálogo do serviço de vídeo sob demanda em 19/5.

    Keiny Andrade/Folhapress
     Retrato da cartunista Laerte, que será objeto de um novo documentário, chamado "Laerte-se"
    Retrato da cartunista Laerte, que será objeto de um novo documentário, chamado "Laerte-se"

    "Esse filme é a minha forma de jogar purpurina no ventilador", diz Laerte. Ao se permitir ser objeto do documentário, ela teve que equilibrar o salto entre a sua natural discrição e o posto a que foi alçada -o de farol da questão transgênero no Brasil-, desde que, aos 59 anos, apareceu montada com vestido, brinco e unha pintada.

    Em 2013, quando foi interpelada pelas diretoras -a documentarista Lygia Barbosa da Silva e a jornalista Eliane Brum-, Laerte buscava resguardar sua imagem pública. "Eu estava retraída, precisava encostar o cu na parede."

    Revistas semanais convocavam consultoras de moda para julgar seu "look", conta. Outras queriam acompanhar Laerte nas compras. "Eu não queria que essa mulheirice é que viesse à tona."

    O que Laerte queria era implantar seios. "E achei que o filme poderia usar o negócio do peito como eixo para discutir o que é gênero." A cirurgia acabou sendo adiada, mas o filme saiu. "Isso mostra que não tem que ter peito para ser transgênero", diz.

    Em sua jornada, Laerte enfrentou "truculência masculina" até de quem passou pelo bisturi, gente do próprio meio trans, "que nem tem pênis mais, mas que continua botando o pau na mesa", diz.
    'direita moral'

    Eliane Brum é quem conduz as entrevistas. "O que é se sentir mulher, afinal?". A artista reflete. "É algo que estou me sentindo cada vez mais". Enquanto isso, a câmera circula pela casa de Laerte, a flagra nua no chuveiro, mostra a produção de suas tirinhas, a interação com os parentes e a militância contra a "direita moral".

    "A direita econômica já estava representada na política. Mas foi pela moral que esse reacionarismo cresceu mais, querendo demolir tudo o que estava consolidado."

    Não que a direita também não tenha encampado a pauta da diversidade. Nas últimas eleições, lembra a cartunista, o ator trans Thammy Miranda tentou vaga na Câmara dos Vereadores paulistana e lidou com achaques dentro de seu partido, o conservador PP (Partido Progressista). "Isso sim é que foi coragem", diz.

    E Laerte não se considera corajosa? "Há coragem em quem desafia as normas de gênero ainda criança ou adolescente. Eu já era respeitada, pus pouca coisa em risco."

    LAERTE-SE
    DIREÇÃO Lygia Barbosa da Silva e Eliane Brum
    PRODUÇÃO Brasil, 2017, 14 anos
    QUANDO sábado (22), às 23h15, no Reserva Cultural (av. Paulista, 900, tel. (11) 3287-3529

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